Presidente da CPMI das Fake News: “liberdade de expressão e direito de defesa são pilares do PL sobre o tema”

Em sua 2ª edição virtual, o Café com Política trouxe debate sobre as propostas de lei que visam regulamentar o combate à desinformação e à prática de crimes na internet

 

Quais são os impactos causados pela disseminação de notícias falsas? Existem limites da liberdade de expressão? Quais leis o Congresso Nacional pode construir para proteger a sociedade? Como coibir crimes na internet? Essas foram algumas questões que conduziram a live do Café com política promovida pelo Sindilegis, nesta segunda-feira (15/06).  O fórum teve como convidado central o senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das Fake News e relator do PL 2630/2020 (Lei das Fake News). O parlamentar traçou um panorama sobre como o assunto está sendo tratado no Congresso e respondeu a perguntas. “Temos recebido muitas denúncias e o nosso objetivo é dar transparência, assegurar a liberdade de expressão e apresentar um trabalho para expurgar das redes sociais os criminosos digitais”, afirmou em sua fala inicial.

 

O debate foi mediado pela jornalista e servidora da Câmara dos Deputados Maristela Sant’Ana e teve como participantes o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), autor da PL 3063/2020 (PL da Fake News) na Câmara; Patrícia Campos Mello, jornalista e escritora, colunista da Folha de S.Paulo e comentarista da TV Cultura; Cristina Tardaguila, diretora adjunta da International Fact-checking Network (IFCN), fundadora da Agência Lupa, primeira agência de notícias especializada em checagem de fatos do Brasil, e coordenadora da aliança CoronaVirusFacts, maior projeto colaborativo de checagem do mundo; e Caio Machado, pesquisador, bacharel em Direito pela USP e mestre em Ciências Sociais da Internet pela Universidade de Oxford e Sorbonne, membro de estudo da Universidade de Oxford, que mapeou campanhas de manipulação da opinião pública na internet em 70 países.

 

Impactos da desinformação

 

Maristela Sant’Ana iniciou o fórum com um trecho do discurso de posse do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, destacando que “à medida em que as redes sociais adquiriram protagonismo no processo eleitoral passaram a sofrer a ação pervertida de milícias digitais que disseminam o ódio e a radicalização. São terroristas virtuais que utilizam como tática a violência moral ao invés de participarem do debate de ideias de maneira limpa e construtiva. Para Barroso, “os principais atores do enfrentamento às fake news hão de ser as mídias sociais, a imprensa profissional e a própria sociedade”.

 

O senador Angelo Coronel afirmou que a CPMI foi criada para proteger a sociedade brasileira e garantir o direito de resposta. Segundo ele, o trabalho da comissão de inquérito esbarra em dificuldades de obter dados das plataformas digitais (Google, WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter) para desvendar os autores de crimes praticados nas redes. “Há dificuldade de quebrar o sigilo, as plataformas se negam a fornecer dados. Eu sinto que algumas empresas estariam sendo coniventes com esses crimes”, destacou. Outro desafio é rastrear o dinheiro gasto para disseminar informações falsas, de acordo com o parlamentar.

 

Como identificar crimes digitais sem comprometer liberdade de expressão

 

A jornalista Patrícia Campos Mello questionou o senador sobre como será o trabalho para rastrear o patrocínio de milícias virtuais sem que haja redução da liberdade de expressão. O parlamentar explicou que propôs à Anatel e às empresas de telefonia façam um recadastramento dos usuários de celulares pré-pagos para evitar uso clandestino de dados como CEP e CPF. “Se a pessoa for abrir uma conta no WhatsApp e tiver uma ordem judicial para quebrar o sigilo, o WhatsApp vai fornecer o número cadastrado e a telefônica vai te dar o nome real da pessoa que habilitou o celular.  Com isso a gente consegue fechar a porta do criminoso que vai fazer tanto uma conta no WhatsApp quanto um perfil nas redes sociais. Essa é a única maneira que eu consegui idealizar com a ajuda de técnicos para frear essa quadrilha digital espalhada pelo Brasil”, detalhou.

 

O senador ressaltou que a internet virou um canal de massa que faz a cabeça das pessoas, onde quem é atacado não tem como se defender. “O que mais indigna as pessoas são os cyber ataques feitos no anonimato. Por isso, é tão importante criar mecanismos para proteger a sociedade brasileira. Os crimes digitais afetam não só a classe política, mas toda a população”.

 

Fake news e ameaça à democracia

Na avaliação de Caio Machado existe uma estratégia de comunicação política ameaçando a democracia. “Isso vem de uma crise de como a gente absorve a informação na sociedade. Não é a primeira vez que isso acontece na história na humanidade. A gente ainda está se acostumando com a internet. Para grande parte da população, o Whatsapp é a internet”, destacou. “Estamos colocando tudo na aba de fake news, que é um termo muito pobre. A proteção de dados e a neutralidade de rede são questões que ainda não resolvemos. Precisamos discutir esses temas”, apontou o pesquisador.

 

Luta para combater desinformações por meio da regulamentação

 

Cristina Tardaguila apresentou dados do trabalho que realiza na checagem de fatos em 60 países há dois anos. “Com base nisso eu posso atestar que absolutamente nenhum país conseguiu reduzir o número de notícias falsas. Nem mesmo aqueles que adotaram o caminho da lei”, alertou. De acordo com ela, países como Indonésia, Tailândia, Malásia e Singapura tomaram medidas bastante restritivas quanto à liberdade de expressão, enquanto Finlândia e Reino Unido investem em educação. “Na Indonésia, assim como no Brasil, há uso excessivo do WhatsApp. Lá (Indonésia), mães foram presas por compartilhar informações falsas pelo aplicativo em relação a um possível terremoto”, exemplificou.

 

O senador Angelo Coronel ainda divulgou uma informação exclusiva sobre como pretende incluir no relatório final da CPMI a previsão de recursos oriundos das plataformas para investir na educação digital infantil: “A Educação Digital é tudo e nós não temos isso na nossa grade curricular. Inclusive, estou estudando no relatório desse PL algo que eu não quis vazar, mas que vou vazar, aqui, em primeira mão. Eu quero que as plataformas destinem um percentual da sua renda no Brasil para aplicação na Escola Digital, na Educação Digital. O que nós estamos estudando é como esse recurso chegará, onde será o caixa desse recurso, para que a gente aplique isso nos estados e nos municípios brasileiros”.

 

O deputado Felipe Rigoni apontou os três grandes eixos no PL: transparência e proteção ao usuário nas plataformas; ferramentas de disseminação (as contas autênticas e os robôs); e alterações na lei sobre organizações criminosas e lavagem de dinheiro para dar mais poder investigativo para identificar as instituições que produzem desinformação de forma profissional. “A primeira versão do projeto previa apenas criminalizar o compartilhamento de informações falsas, o que não parece ser o caminho adequado. A liberdade de expressão tem que ser protegida e nós temos que ser efetivos no combate à desinformação”, discorreu.

 

Para Patrícia, a discussão se tornou binária e é preciso chegar a um denominador comum. “De um lado as plataformas estão em uma posição muito confortável ao dizer que a única coisa que dá para fazer é a educação midiática, quando a gente sabe que a eficácia é muito limitada. Pedir para uma pessoa, cujo único acesso à internet é o WhatsApp, para ela checar o vídeo é improvável de acontecer. Do outro lado, há a questão de dizer que qualquer tipo de regulamentação vai ser uma erosão da liberdade de expressão”, apontou.

 

Projeto de lei votado às pressas

 

Caio Machado manifestou preocupação com a rapidez com que o PL das Fake News está sendo apreciado pelo Congresso. “A minha preocupação é que esse projeto seja votado às pressas sem considerar uma miríade de liberdades. Por que a gente não respira um pouco e retoma o esforço valioso do Legislativo, que construiu o marco civil da internet, e constrói algo baseado em princípios?”, questionou.

 

Felipe Rigoni concordou que o debate da proposta é extremamente delicado. “Nós começamos essa discussão quando protocolamos esse projeto e ele foi evoluindo. O foco agora é a estrutura do texto que deve priorizar a transparência, a investigação de ferramentas de informação e o empoderamento dos órgãos de investigação”.

 

“A liberdade de expressão e o direito de defesa são os dois pilares do PL. Eu ainda não apresentei o relatório para discutir e ouvir mais”, reiterou Angelo Coronel. Segundo ele, a proposta recebeu mais de 100 sugestões de modificação.

 

O vice presidente do Sindilegis Alison Souza ressaltou a relevância da discussão. “O Sindilegis tem a honra de receber esses participantes para tratar desse tema tão importante em razão do impacto que a desinformação pode causar na vida das pessoas. É papel das instituições, dos sindicatos e das entidades representativas promover esse espaço de diálogo e debate”, declarou.

 

A mediadora Maristela Sant’Ana encerrou o debate com uma reflexão: “Problemas complexos não admitem soluções simples”.

 

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