“A tecnologia é uma arma e, por isso, devemos saber como usá-la em nosso favor”, afirmam debatedores no primeiro dia do fórum LegisTech

Sindilegis se uniu a representantes de instituições nacionais e internacionais para discutir a aplicação da tecnologia no Parlamento Brasileiro

Representantes de Casas Legislativas do Brasil – o Sindilegis entre eles – e do mundo traçaram um panorama da inovação e digitalização dos parlamentos durante o primeiro dia do LegisTech Forum 2020, nesta segunda-feira (26). O evento, organizado pela Bússola Tech, contou, em seu primeiro dia, com oito painéis, 12 horas de debate e vários mecanismos e estudos de casos que prometem modernizar os parlamentos tanto do Brasil quanto de outros países.

A Conferência Global em Transformação Digital no Legislativo trouxe experiências da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Interlegis e da Assembleia Legislativa de São Paulo. O evento contou também com a participação de membros de instituições internacionais como Parlamento da Tunísia, ProCivis, Xcential e Rede Latino-Americana pela Transparência Legislativa. Os casos de sucesso, os desafios tecnológicos e as constantes transformações foram a tônica dos debates.

Unidos pela globalização – Entre as vantagens trazidas pelo home office, está a possibilidade de unir pessoas de vários cantos do mundo para debater assuntos correlatos. Esta é a segunda edição do LegisTech Forum – a primeira ocorreu em São Paulo, presencialmente, em outubro de 2019 –, realizada de forma totalmente online e gratuita, com a opção de tradução simultânea.

O CEO da Bússola Tech, Luís Kimaid, que realizou a mediação do primeiro momento do ciclo de painéis, ressaltou que o Poder Legislativo exerce papel fundamental na constituição de uma interação inovadora entre seus processos e na relação com o cidadão: “Ao trazermos nomes renomados tanto nacionais quanto internacionais para esse nível de discussão, ampliamos o impacto do LegisTech; ele deixa de se restringir apenas a atores de dentro do Poder Legislativo, já que há o potencial de ampla melhoria na eficiência na relação com outros poderes da República, assim como outras esferas”.

Filiados ao Sindilegis também participaram como debatedores trazendo ricas experiências implementadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O presidente, Petrus Elesbão, relembrou que vários servidores que se apresentaram tanto na primeira edição do LegisTech Forum, quanto nesta segunda foram agraciados por ideias inovadoras no projeto “Gente que Inspira”: “Ficou bastante claro pra mim que o Parlamento Brasileiro é um farol para tantos outros, modelo e referência de como utilizar a tecnologia para fortalecer o processo legislativo, ser cada vez mais transparente e promover a participação popular”.

Buscando trazer um novo olhar para o Legislativo brasileiro, Mark Stodder, presidente da start-up americana Xcential Technologies, apresentou o LegisPro, software de digitalização que permite automatizar procedimentos legislativos. “O LegisPro não é um programa de software comum para todos. Nosso objetivo é oferecer o controle do aplicativo, configurá-lo da maneira que melhor atenda às suas necessidades e aos usuários de órgãos legislativos ou governamentais e garantir que você nunca fique restrito a um produto do fornecedor”, explicou.

Construção colaborativa – O LegisTech deu o pontapé em seu ciclo de palestras com o suíço Rolf Rauschenbach, da ProCivis, conhecida pela busca do empoderamento digital da sociedade: “Queremos ser a ponte para preencher a lacuna entre os mundos digital e físico”.

Para debater a “Jornada da transformação digital aplicada ao processo legislativo”, tema do segundo painel do dia, o LegisTech contou com um time de peso composto pelos secretários-gerais da Mesa da Câmara e do Senado, Leonardo Barbosa e Luiz Fernando Bandeira de Mello, respectivamente; com María Baron, diretora-executiva global do Directorio Legislativo na Argentina; e Carol Venuto, da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).

Bandeira relembrou as medidas tecnológicas implementadas no Senado no decorrer dos anos, que ocorreram de forma gradual, mas responsável. Entre as medidas recentes, citou a primeira votação remota da Casa, que ocorreu em março deste ano, logo após ser decretada a pandemia devido à Covid-19. “Representantes de parlamentos internacionais entraram em contato conosco para possíveis intercâmbios. O Parlamento não pode fechar e contamos com a tecnologia como grande aliada para sanar essa distância”.

Da mesma forma que pode ser usada para diminuir distâncias, organizar informações e agilizar a comunicação, a tecnologia também pode causar grandes estragos. Para Barbosa, é preciso ter cuidado e responsabilidade com a tecnologia, tendo em vista que ela por si só não garante democracia nem transparência. “Todo mundo tem ideias brilhantes, mas executá-las em instituições bicentenárias não é um processo simples”.

Os efeitos da pandemia também foram abordados pela palestrante internacional. Baron foi certeira ao afirmar que as transformações institucionais devem ocorrer de forma gradual nas instituições devido às complexidades da sociedade. “A participação é ferramenta importantíssima nessa construção. Um bom exemplo que podemos citar é a forma como o mundo conseguiu se conectar e manter o bom diálogo, mesmo à distância. Foi uma solução rápida e eficiente”, afirmou.


Intercâmbio de informações
– O vice-presidente do Sindilegis Alison Souza mediou o terceiro debate, que contou com figuras dos Estados Unidos (Leisel Bogan, do Tech Congress) e do Reino Unido (Ben Belward, do Apolitical), além do filiado e servidor do Senado Márcio Tancredi.

“A arquitetura de uma Casa Legislativa Digital” foi o mote para a discussão. “Este é o momento de pensarmos fora da caixa. Estar com organizações de fora possibilita uma troca de conexões ímpar, que só tem a somar com as experiências que acumulamos. E estamos vivendo um bom momento para a Tecnologia da Informação (TI). A tecnologia possibilita buscar melhores informações para as tomadas de decisão e reduz os custos dos seus processos. Como a necessidade de economizar é muito latente, isso traz ainda mais perspectivas para que possamos utilizar a tecnologia em nosso favor”, apontou Souza.

O vice-presidente questionou Bogan sobre quais metodologias e estratégias o poder público pode utilizar para levar informações de interesse ao cidadão de forma simples e atrativa. “É preciso que o Parlamento construa ferramentas que ampliem a participação social e possam engajar o cidadão a entender que, sim, ele tem uma responsabilidade nesse controle e nessa fiscalização tanto quanto o Congresso”, afirmou.

Para Tancredi, é importante lembrar também que alinhada à discussão sobre a tecnologia, é preciso debater também a interação humana nesse processo: “Estamos falando tanto de tecnologia, mas não podemos nos esquecer das pessoas. É importante que a nossa cultura interna esteja sendo trabalhada no sentido de entender melhor a missão da Casa Legislativa, e respeitar e utilizar essa missão como guia nos trabalhos do dia a dia”.

Legislativo como protagonista – O servidor do Senado Henrique Porath mediou o quarto debate, que tratou da “Experiência do usuário no Legislativo: como mapear as necessidades dos usuários internos e externos?”.
Patricia Roedel, servidora da Câmara e uma das painelistas, trouxe uma apresentação onde revelou uma pesquisa qualitativa feita com usuários a respeito do portal da Casa: “Foi um retorno interessante pois pudemos aferir onde estávamos acertando e onde podíamos melhorar”.

Waldir Bezerra Miranda, do Senado, afirmou que o Poder Legislativo no Brasil tem a oportunidade de ser protagonista na agenda de inovação pública. “É necessário que as Casas invistam em espaços de teste que gerem conhecimento e dialoguem ainda mais com empreendedores públicos e privados, empresas, outras esferas de governo e com o cidadão”, apontou. A discussão também contou com a participação de Vitor Fazio, servidor da Prefeitura Municipal de São Paulo; e Carol Ayres, da Humana.

Coronavírus em pauta – A diretora do Centro de Formação da Câmara (Cefor), Juliana Werneck, ressaltou que a escola atua no suporte à inovação. “Para inovar nós precisamos desenvolver capacidades e uma delas é o conhecimento. Tanto o saber de metodologias, quanto o saber cooperar, e, principalmente, saber escutar. A escuta do usuário é essencial para inovar. A gente ainda está no começo do processo de ouvir o cidadão. Esse é um grande desafio”, observou.

Tema amplamente debatido no período da manhã, o contexto da pandemia da Covid-19 não ficou de fora da discussão nos painéis seguintes. Werneck afirmou que apesar das dificuldades, o período trouxe possibilidades de experimentação: o projeto para oferecer disciplinas do mestrado de forma virtual saiu do papel. “Isso era pensado há meses, mas a gente tinha medo. E nesse momento de crise a gente se deu ao luxo de experimentar”, explicou. A diretora alertou que a inovação no setor público envolve uma série de desafios: “A experimentação vem com a questão do controle, do bom uso do dinheiro público. A empresa privada sabe que o dinheiro investido pode não ter retorno, no setor público não é assim”, declarou.

Segundo José Moulin, da Nexta, os fatores comportamentais são determinantes para facilitar o processo de inovação. “Eu acho que todo servidor ou pelo menos os tomadores de decisão, os definidores de políticas públicas deveriam ter conhecimento da ciência comportamental que está dominando o mundo, do que são os nudges, que podem ser de uma relação custo-benefício fantástica em termos de mudança de comportamento”, apontou.

Antonio Napole, da Kaiser Associates, ressaltou o impacto das mudanças no mundo digital. “A tecnologia muda mais rápido do que a gente. A gente deveria acompanhar essa velocidade de mudança de forma consciente, aceitando que ela pode trazer benefícios e malefícios”.

Vinicius Schurgelies, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), destacou a relevância das escolas do Legislativo na construção de parlamentos digitais. “Esses espaços educacionais permitem a congregação de diferentes visões, reúnem pessoas que têm interesse pelo conhecimento, criam um fórum permanente de discussão com troca de experiências que permitem faíscas de inovação no Legislativo”.

Gente que Inspira – O fórum também trouxe um panorama do processo de digitalização nas Casas. Marcus Chevitarese, da Câmara e um dos agraciados com o prêmio Gente que Inspira 2019 do Sindilegis, destacou a importância do planejamento estratégico para os dados gerados pela atividade legislativa. “O rol de informações é muito amplo em termos tanto quantitativos quanto qualitativos. A estratégia de governança desses dados deve buscar um equilíbrio entre a transparência e a privacidade em respeito à Lei Geral de Proteção de Dados”, ressaltou.

Luís Fernando Pires Machado, do Interlegis, apresentou as dificuldades e cases de sucesso nas câmaras municipais. “Cerca de 90% das Casas quase não tem recursos ou proximidade com os grandes centros urbanos, o que as distancia da inclusão digital. O Interlegis realizou a capacitação dos servidores municipais e criou uma comunidade de prática utilizando programas como open source. Hoje chegamos a ter Casas com a certificação digital do prefeito ao encaminhar o processo legislativo digital de uma lei orçamentária para a Câmara Municipal sem papel”, enfatizou.

Transparência em voga – A transparência e o acesso à informação nas Casas Legislativas foi a temática do oitavo e último painel do LegisTech. Para Guilherme Brandão, do Senado, a transparência não deve se limitar à disponibilização de dados públicos. “A concepção contemporânea de transparência vai muito além de colocar as informações públicas de forma acessível para a população. Ela deve incluir além da participação, interação e processos educacionais. A transparência ativa apresenta muito mais oportunidades do que desafios; ela é um campo cheio de oportunidades de desenvolver novas funções e ir muito além do que divulgar textos e informações oficiais”, opinou.

Rodolfo Vaz, da Câmara, explicitou os desafios de tornar as informações do portal da Casa mais acessíveis para o cidadão. “Existem milhares de subgrupos dentro do grupo cidadão comum. Alguns têm muita intimidade com a tecnologia, mas falta de intimidade ou interesse pela política. Outros têm intimidade com a política, mas nem tanta intimidade com a tecnologia. Devido à diversidade e complexidade do processo legislativo, a principal forma que a gente vem buscando de alcançar esses grupos é traduzir para uma linguagem simplificada, que o cidadão consiga entender”.

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