Filiado ao Sindilegis publica artigo sobre os perigos dos chamados “atiradores ativos”

Artigo produzido pelo servidor da Câmara dos Deputados e filiado ao Sindilegis aborda a preocupante situação dos atiradores ativos, que cometem ataques em locais de grande concentração de pessoas, situação que vem crescendo nos Estados Unidos e no Brasil.

Confira o artigo na íntegra a seguir.

Atirador ativo: a nova face do mal*

Por Suprecílio Barros**

Nos últimos dez anos, infelizmente, os incidentes de atirador ativo (active shooter) têm sido cada vez mais frequentes em diferentes partes do mundo. Segundo o Federal Bureau of Investigation (FBI), tal expressão é usada para designar uma ação homicida provocada por um ou mais indivíduos engajados ativamente em matar ou tentar matar pessoas em uma área povoada com o emprego de uma ou mais armas de fogo, que pode(m) estar ou não associada(s) ao uso de outros tipos de armamento. Nessa definição, não são incluídos os homicídios classificados como subprodutos de outros crimes como, por exemplo, aqueles decorrentes do tráfico de drogas ou da rixa entre gangues.

Levantamentos de ocorrências policiais realizados nos Estados Unidos da América comprovam que houve um aumento drástico de casos de atirador ativo a partir do ano de 2009. De acordo com informações disponibilizadas no site do FBI, desde 2000 até 2019, ocorreram 305 eventos dessa natureza, com um total de 2.677 vítimas: 981 pessoas foram mortas e 1.696 ficaram feridas.

O episódio norte-americano com maior repercussão mundial foi o massacre de Columbine High School, ocorrido no ano de 1999, em Littleton, estado do Colorado. Nesse trágico incidente, dois alunos (17 e 18 anos) mataram 12 pessoas, feriram outras 24 e depois se suicidaram. Já o de maior proporção, ocorreu no Festival da Colheita da Rota 91, no ano de 2017, na cidade de Las Vegas, no qual 547 pessoas foram vitimadas (58 morreram e 489 ficaram feridas) e o atirador também cometeu suicídio.

No Brasil, lamentavelmente, já ocorreram dois episódios com proporções e modus operandi semelhantes ao incidente de Columbine: (a) um, no ano de 2011, na Escola Municipal Tasso da Silveira, que ficou conhecido como massacre de Realengo/RJ, em que um único rapaz (23 anos) matou doze estudantes, feriu vinte e duas pessoas e, logo após, praticou autoextermínio; e (b) outro, no ano de 2019, na Escola Estadual Professor Raul Brasil, alcunhado de massacre de Suzano/SP, no qual dois ex-alunos – um adulto (25 anos) e um adolescente (17 anos) –, mataram 8 pessoas, feriram outras 11 e, em seguida, um matou o outro e depois se suicidou.

Vários países da Europa, Ásia e Oceania também têm sido afetados por esse tipo de violência, como demonstram os seguintes casos: (a) tiroteios de Hanau, Alemanha (2020), que deixaram pelo menos 9 pessoas mortas; (b) massacre de Estrasburgo, França (2018), no qual 5 pessoas perderam a vida; (c) massacre na Escola Primária de Ikeda, Japão (2001), que resultou em 8 crianças assassinadas; e (d) o massacre de Christchurch, Nova Zelândia (2019), que matou 51 pessoas.

Estudos realizados pelo FBI, em conjunto com outras agências governamentais estadunidenses, listaram os locais com maior (e menor) incidência desse tipo de evento crítico: comerciais (43,7%), educacionais (19,7%), espaços abertos (13,8%), repartições públicas (9,8%), residenciais (4,3%), religiosos (4,3%), serviços de saúde (4,3%) e outros (0,4%).

A maioria esmagadora dessas crises policiais foi cometida por indivíduos do sexo masculino (98,5%), sendo que o mais novo tinha apenas 12 anos de idade, quando cometeu, no ano de 2014, o incidente de Berrendo Middle School e o mais velho estava com 88 anos, quando, no ano de 2009, praticou o incidente no United States Holocaust Memorial Museum.

Grande parte das vítimas é escolhida pelo active shooter de forma aleatória, simplesmente por estar no local do fato na hora errada. O assassino tem como objetivo principal matar o maior número possível de pessoas no menor intervalo de tempo. Além disso, há dois dados muito preocupantes: 108 (34,6%) homicidas finalizaram o massacre de forma apoteótica com o autoextermínio e 64 (20,5%) foram mortos em confronto com a polícia. É possível inferir que uma parte dos que morreram em combate pode ter sido hipótese de suicide by cop, isto é, aquele em que o indivíduo age de forma deliberada e violenta contra a vida dos policiais com o objetivo de que haja uma reação letal contra ele, já que não tem coragem para cometer o ato suicida com as próprias mãos.

Dados do FBI mostram que vários integrantes das forças de segurança também são feridos ou mortos nesses confrontos. Até o ano de 2019, havia 109 policiais que foram feridos ou mortos por atiradores ativos.

As armas de fogo utilizadas nessa modalidade de violência foram classificadas em duas categorias: handguns (pistolas e revólveres) e long guns (rifles e espingardas), sendo que 65,4% dos active shooters empregaram pistolas ou revólveres e 34,6% usaram rifles ou espingardas.

Dos 305 incidentes contabilizados desde 2000 até 2019, 299 foram cometidos por atiradores solitários (single shooter) e 06 foram cometidos por dois ou mais homicidas (multiple shooters): em um único evento, que ocorreu no ano de 2011, houve a participação de três atiradores e nos outros cincos, apenas dois perpetradores participaram dos atos.

Com base nas características desse tipo de crise policial, as autoridades norte-americanas adotaram duas linhas principais de ação: (a) uma resposta rápida, eficiente e coordenada da polícia com o objetivo de neutralizar o atirador ativo no menor tempo possível – tempo médio de resposta são três minutos; e (b) o emprego de protocolo de emergência para ensinar como a população deve-se proteger do atirador até a chegada das forças policiais. O FBI afirma que tanto os aplicadores da lei como os cidadãos possuem o potencial de afetar o resultado do evento crítico com base nas respectivas respostas.

No âmbito da Universidade do Texas, foi desenvolvido o programa Advanced Law Enforcement Rapid Response Training (ALERRT) – Treinamento Avançado de Resposta Rápida das Forças Policiais –, que tem como objetivo capacitar os aplicadores da lei no atendimento de incidente de atirador ativo. Segundo o FBI, o treinamento ministrado pelo ALERRT é considerado como padrão nacional e já capacitou mais de 114.000 agentes de diferentes instituições norte-americanas responsáveis pela aplicação da lei.

Com foco na comunidade, foram criados protocolos de emergência, com destaque para o “Run, Hide, Fight” – Corra, Esconda-se ou Lute –, o qual foi formatado, no ano de 2012, pelo Escritório de Segurança Pública e Segurança Interna da Prefeitura de Houston. Cada palavra-chave representa um conjunto de ações que deve ser posto em prática sempre que a pessoa se deparar com um evento de atirador ativo. No site do Department of Homeland Security, esse protocolo, em uma tradução livre, encontra-se sintetizado da seguinte forma:

  1. Run – se for possível, fuja rapidamente do local: (a) afaste-se imediatamente do local onde se encontra o atirador; (b) deixe os seus pertences para trás; (c) se houver uma rota de fuga segura, saia rapidamente do local, independentemente de outros concordarem ou não em o seguir; (d) se possível, ajude outras pessoas escaparem; (e) avise e impeça outras pessoas de entrar em uma área onde o atirador ativo possa estar; (f) ligue para o 190 quando estiver em ambiente seguro e, se possível, descreva o atirador, informe a localização dele e a(s) arma(s) que ele esteja usando.
  2. Hide – se não for possível fugir do local, esconda-se: (a) saia da vista do atirador e fique quieto; (b) silencie todos os dispositivos eletrônicos e certifique-se de que eles não vibrarão; (c) tranque e bloqueie portas, feche as persianas e apague as luzes; (d) não se esconda agrupadamente: as pessoas devem ficar distribuídas ao longo das paredes do cômodo ou escondidas separadamente para ficar mais difícil para o atirador encontra-las; (e) tente comunicar-se silenciosamente com a polícia por meio de mensagem de texto ou mídia social informando o fato e a sua localização; (f) permaneça no local até a polícia lhe certificar que o local esteja seguro; (g) seu esconderijo deve ficar fora da vista do atirador e fornecer proteção em caso de disparos de arma de fogo efetuados na direção dele.
  3. Fight – Se o confronto for inevitável, lute: (a) comprometa-se absolutamente com suas ações de sobrevivência e aja com o máximo de agressividade possível contra o atirador; (b) se houver outras pessoas, una forças com elas para emboscar o atirador com armas improvisadas: cadeiras, extintores, tesouras, livros e outros objetos similares; (c) prepare-se para causar ferimentos graves ou letais no atirador; (d) jogue objetos e improvise armas para distrair e desarmar o homicida.

Complementando essas três diretrizes, é importantíssimo que se obedeça rigorosamente aos comandos da polícia e mantenha as mãos sempre visíveis e vazias durante a fuga.

Os Estados Unidos da América saíram na frente ao perceber que o grave problema de atirador ativo deveria ser enfrentado tanto com ações policiais efetivas quanto com as ações desencadeadas por parte da população.

Diante desse cenário preocupante, portanto, é muito importante que os gestores das diversas forças policiais brasileiras olhem com mais atenção para a problemática do atirador ativo e estabeleçam, rapidamente, medidas reativas e preventivas eficientes para enfrentá-la.

*O presente artigo foi escrito com base em documentos e informações sobre incidentes de atiradores ativos nos Estados Unidos da América, disponíveis no site do Federal Bureau of Investigation (FBI), e conteúdos jornalísticos encontrados na internet acerca do tema.

**Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Policial Legislativo Federal da Câmara dos Deputados e Instrutor de Armamento e Tiro.

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