O que o futuro reserva para o serviço público brasileiro

Fim da estabilidade, regulamentação da avaliação de desempenho, teletrabalho e assédio institucional nortearam a 6º Conferência das Carreiras de Estado

Como parte das comemorações ao Dia do Servidor, o Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) – do qual o Sindilegis faz parte – promoveu, na quarta-feira (28), a 6ª edição da Conferência Nacional das Carreiras de Estado. Com a temática “O Futuro do Serviço Público no Brasil”, o evento contou com a participação de parlamentares, acadêmicos, especialistas e representantes do governo. A tradicional conferência ocorreu em formato virtual em decorrência da pandemia.

Uma homenagem bem-humorada, protagonizada pela Cia de Comédia G7, marcou o início do evento. Os deputados Israel Batista (PV-DF) e Fábio Trad (PSD-MS), coordenadores da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil); o presidente de honra do Fórum, Roberto Kupski; e o anfitrião, presidente Rudinei Marques, abriram a Conferência dando um panorama do trabalho desenvolvido pelos servidores, principalmente nesse momento de enfrentamento à pandemia do coronavírus.

Papel do setor público na recuperação econômica e no enfrentamento à pandemia
– Para Marques e Kupski, a solução dos desafios atuais passa, necessariamente, por um serviço público de qualidade. “Precisamos retomar o crescimento econômico e nós, servidores públicos, temos um papel fundamental nesse processo. O futuro do país depende de um serviço público forte”, ponderou o presidente do Fórum.

Essa construção, na opinião do deputado Trad, depende da ampliação do debate em torno da proposta de reforma administrativa, garantindo voz aos servidores. “O serviço público é o próprio Brasil, que serve, que atende, que contribui e, por fim, que resolve”, destacou o parlamentar.

A atuação em defesa do serviço público no Congresso Nacional foi a tônica do discurso do deputado Israel Batista. À frente da Servir Brasil, ele falou sobre a relevância das contribuições técnicas para a discussão sobre a Administração Pública. “Decidimos produzir conhecimento, ao notarmos que os dados usados pelo governo não eram confiáveis. Não há, por exemplo, uma análise do impacto orçamentário da PEC 32/2020”, relembrou.

Desafios e futuro do serviço público – O jurista e professor da PUC-RS, Juarez Freitas, e o senador Antônio Anastasia (PSD-MG) falaram sobre “Governo Digital e o Futuro do Serviço Público”.

Para o professor, a pandemia de Covid-19 provou a necessidade de avançar na digitalização dos serviços ofertados à população. Ressaltou ainda que o processo pode contribuir com a universalização do acesso a serviços básicos e essenciais, como saúde e educação, por exemplo. E, para isso, devemos inscrever o direito à conexão no rol de direitos fundamentais da população brasileira.

O senador Anastasia concordou que as ferramentas tecnológicas ajudam o Estado a cumprir melhor as suas atribuições. O parlamentar defendeu, no entanto, que é preciso dar um passo atrás e reparar deficiências na gestão, com o objetivo de qualificar o servidor público e dar a ele as condições necessárias para essa transição. “Não adianta pensar no que há de mais moderno se a figura humana não estiver qualificada para isso”, afirmou, ao lembrar que muitas vezes o servidor é culpado, injustamente, pela ineficiência do sistema.

Rumos da avaliação de desempenho – O segundo painel discutiu “Gestão Pública e avaliação de desempenho”. O debate teve participações do secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal (SGP) do Ministério da Economia, Wagner Lenhart; da professora da Universidade de Brasília Elaine Neiva; e do consultor do Senado Federal Luiz Alberto dos Santos. A moderação ficou a cargo do secretário-geral do Fonacate e presidente da Anafe, Marcelino Rodrigues.

“O espírito da gestão de desempenho no setor público deve ser a identificação de quem faz a diferença”. Em sua intervenção, Lenhart apontou as diretrizes que, segundo afirma, norteiam o trabalho da SGP na busca pela regulamentação da matéria. O secretário defendeu que os mecanismos de avaliação possibilitem um feedback constante, de modo a identificar as virtudes de cada servidor, para um melhor aproveitamento individual.

Ainda de acordo com ele, o processo de análise de desempenho, no que garantiu ser de “menor importância”, também precisa buscar a responsabilização daqueles que não “entregam o esperado”.

O secretário-geral do Fórum observou que o discurso do titular da SGP, no entanto, não é o que sugere o contexto da reforma administrativa do governo federal, em que se parece ter a preferência pelo caráter punitivo. “A mensagem que chega é que não se tem o objetivo de aperfeiçoar o serviço público, mas sim de constranger o servidor”, pontuou, ao destacar, entre outras inconsistências, a primazia do aspecto “fiscalista” da PEC 32/2020.

“Reforçar o que se quer é muito mais efetivo do que punir aquilo que não se quer”, ponderou Elaine Neiva acerca da necessidade de uma prática mais afirmativa na Administração Pública.

Para a especialista, o primeiro passo na implantação de um sistema de avaliação e gestão de desempenho bem-sucedido é a compreensão da abrangência, da “interdependência” das atividades nas unidades de trabalho e de que os resultados, positivos ou negativos, na maioria das vezes, estão relacionados ao conjunto. “Não é a competição que favorece os melhores resultados, mas sim a cooperação”, argumentou Neiva, alertando, da mesma forma, para a fragilidade das ferramentas que estimulam uma avaliação meramente individualizada.

Fatores que fogem ao controle do servidor e interferem diretamente na rotina de trabalho, como o déficit de pessoal em quase que a totalidade dos órgãos do Estado, também precisam ser levados em consideração, quando o tema é a análise das entregas, ressaltou Luiz Alberto dos Santos. “Como exigir que os servidores tenham desempenho satisfatório, se os meios não estiverem disponíveis, se as equipes não forem suficientes, se houver uma sobrecarga de trabalho?”, questionou.


“Estabilidade, Integridade Pública e Assédio Institucional”
– Esse foi o tema do terceiro painel do evento. Mediado por Rodrigo Spada, presidente da Febrafite, e José Celso Cardoso Jr., presidente da Afipea, o último debate do dia contou com a participação da professora da FGV Alketa Peci, e do professor do IESB e da UDF, Amarildo Baesso.

Spada lamentou a imagem distorcida do servidor público. O descompasso, segundo ele, está no fato do cidadão, que reclama da falta de retorno do Estado, não conseguir enxergar o trabalho do servidor nas obras e nos serviços públicos que o cercam. “Isso talvez seja proposital. Seja por interesse da mídia, ou por grupos ideológicos que não veem o serviço público como fundamental para um país com tanta desigualdade”, pontuou.

Alketa Peci propôs reflexões sobre a estabilidade, apoiada em dados de pesquisas empíricas sobre o tema. “Costumo dizer que a estabilidade é o instituto mais importante do Brasil, pós democratização”, afirmou. “No contexto democrático, é por meio da estabilidade e do recrutamento meritocrático – via concurso público – que se garante a prestação de serviço de maneira estável e o desenvolvimento de políticas públicas sem interrupções, independentemente das trocas políticas”.

Já Amarildo Baesso questionou a condução da reforma administrativa pelo governo. “Uma mudança constitucional, ampliando as possibilidades de quebra da estabilidade, teria o condão de resolver a questão da eficiência?”, indagou em referência à PEC 32/2020. Para ele, a proposta “é muito mais uma resposta simbólica para esses atores que têm cobrado a reforma do que propriamente uma discussão séria sobre o assunto”.

Assédio institucional – José Celso Cardoso Jr. explicou o que é assédio institucional de natureza organizacional. “É um processo orquestrado de constrangimento, desqualificação, deslegitimação que parte de figuras localizadas nos altos escalões do governo federal contra não um ou outro servidor público em particular, mas contra as próprias organizações do Estado brasileiro e contra as próprias políticas públicas que estão em processo contínuo de aperfeiçoamento institucional”.

Funai, ICMBIO, Ibama, Capes e IBGE estão entre as organizações que, segundo ele, passaram por esse processo de reconfiguração interna. Para José Celso, trata-se de um fenômeno novo pelo fato de os casos não serem isolados.
No encerramento da conferência, Rudinei Marques, deixou uma mensagem para os quase 12 milhões de servidores públicos que enfrentam com garra, determinação e competência as múltiplas crises que assolam o país. “Quem faz esse enfrentamento é o serviço público, que está na vanguarda e na retaguarda dessas crises. O país vai precisar muito do serviço público no pós-pandemia, por isso precisamos fortalecê-lo e qualificá-lo. Para isso, estamos aqui, por isso, estamos aqui”, finalizou.

Fonte: Fonacate

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