Reforma Administrativa não tem salvação, dizem especialistas

Em live promovida pelo Sindilegis, professores elencam argumentos para manter a estabilidade do servidor na Constituição

Como garantir o bom funcionamento das instituições públicas coordenadas por governos transitórios? Por que a estabilidade do servidor é tão importante para o cidadão? E de que maneira a PEC 32/20, mais conhecida como Reforma Administrativa, impacta a sua vida? Foi pensando em responder a estas e vários outros questionamentos que o Sindilegis realizou, nesta segunda-feira (5), o segundo episódio da série especial do projeto Café com Política Especial: Estabilidade do servidor.

O debate contou com a presença de três painelistas: Adriana Shier, pós-doutora em Direito Público; Juarez Freitas, professor titular em Direito pela PUC/RS; e Marcelino Rodrigues, presidente da Anafe e secretário-geral do Fonacate. A mediação e apresentação ficaram a cargo de Cid Queiroz, jornalista da TV Câmara com especialização em Ciência Política; já como debatedora participou Dora Kramer, escritora, jornalista, colunista da Revista Veja e comentarista da Rádio BandNews FM. O vice-presidente do Sindilegis Alison Souza também participou do encontro.

Estabilidade em xeque

Atualmente, qualquer servidor que ingresse na Administração Pública por meio de concurso tem garantido o direito à estabilidade. Porém, a Constituição Federal também prevê a perda do cargo em três hipóteses: em caso de processo administrativo, sentença judicial ou insuficiência por desempenho.

O texto apresentado pelo Governo acaba com a estabilidade para os novos servidores em várias carreiras. Pela proposta, haverá cinco regimes de contratação. Apenas os cargos típicos de Estado terão direito à estabilidade após três anos no serviço público. Nas outras modalidades – cargos por prazo indeterminado e contrato por prazo determinado – os novos servidores seriam admitidos via concurso público, mas sem estabilidade.

Segundo Adriana Shier, a proposta da PEC 32/20, ao invés de estruturar melhor a regulamentação da insuficiência de desempenho, ataca o mecanismo central de uma Administração Pública democrática: a garantia da estabilidade. “Qualquer movimento que vise flexibilizar ou atacar a prerrogativa da estabilidade em um país de tradição patrimonialista como o nosso é um problema gravíssimo à democracia e aos próprios valores republicanos. Todos os países do mundo que implantaram o sistema democrático, com exceção dos Estados Unidos, adotaram a estabilidade de seus servidores”, apontou.

Para Marcelino Rodrigues, a falta de debate e diálogo prévio do Governo com os servidores por si só já é um ponto alarmante e que causa estranheza à categoria: “A sensação é que nós, servidores, não somos bem-vindos, quando deveríamos ser os principais atores desse processo. A proposta não busca o objetivo-fim de qualquer reforma, que é o aperfeiçoamento do serviço público. Pelo contrário, fomenta a falácia de que somos privilegiados”.

O que são, afinal, carreiras típicas de Estado?

Na avaliação dos especialistas, a proposta cria outro problema ao limitar o direito à estabilidade apenas para aqueles classificados como cargos típicos de Estado. “Há um desconhecimento total por parte dos autores da proposta quanto ao trabalho desempenhado pelos servidores. Não é possível que se faça uma análise tão rasa de que carreiras típicas de Estado são simplesmente aquelas que não possuem paralelo na iniciativa privada. Isso é um absurdo”, pontuou Rodrigues.

Em resposta à indagação do vice-presidente do Sindilegis Alison Souza, que perguntou se é possível obter uma definição sobre o que seria uma carreira de Estado, Juarez Freitas explicou que essa sim deveria ser a questão central a ser debatida antes de se pensar em uma reforma administrativa. “Precisamos ir por etapas; primeiro, pensar na capacitação do servidor público para o século XXI. Depois, em quais são as habilidades necessárias, as atividades-fim e que Estado queremos. Isso não se faz com a perspectiva de demissão. Enxugamento de custos não é um mote para se fazer uma reforma administrativa que funcione”, afirmou.

Entre as alternativas apresentadas em substituição à PEC 32/20, Freitas apresentou três propostas: a digitalização, a desburocratização e a criação de uma Administração Pública dialógica. “Esses três pontos modificariam o panorama inteiro do serviço público sem causar dor, sofrimento e perplexidade. Queremos o diálogo, mas com o objetivo de colocar a transformação administrativa no século XXI, e não insistindo com teses totalmente anacrônicas de séculos anteriores”, sugeriu.

“Da forma como está a proposta é péssima”

Ao final das explanações, a jornalista Dora Kramer fomentou o debate entre os painelistas ao indagar se a PEC 32/20 ainda tinha possibilidades de melhoria. Os três foram enfáticos ao afirmarem que, da forma como está, a proposta é péssima para todos. “Não atende aos interesses da sociedade pois não traz nenhum dispositivo que permita ampliar a proteção do cidadão em face da Administração Pública, e não traz capacitação para o servidor”, pontuou Shier. “O próprio presidente [Rodrigo Maia, da Câmara dos Deputados] já havia sinalizado que a discussão ficaria para 2021, mas devido ao cenário, em que deveríamos estar discutindo a Reforma Tributária, a proposta foi encaminhada a toque de caixa”, frisou Rodrigues.

Em nome de toda a diretoria do Sindilegis, o vice-presidente agradeceu os esclarecimentos e a participação dos convidados. “O que queremos com esses debates é demonstrar que não há uma defesa cega do servidor público, mas sim a defesa do Estado brasileiro e a população, sobretudo os mais carentes. Nós ocupamos o centésimo sexto lugar do ranking na transparência internacional sobre corrupção. Vejo com espanto quando tentam importar leis de países como a Holanda, que ocupa o oitavo lugar, como se a mera importação de lei fosse suficiente para resolver todos os problemas. Precisamos enxergar a nossa realidade, adaptando as boas práticas do que vem de fora, mas enfrentando os problemas aqui de frente”, finalizou.

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