Troca de experiências entre parlamentos do mundo marcam segundo dia do LegisTech Forum 2020

No total, foram realizados sete painéis ao longo do dia, que promoveu debates ricos voltados sobre o uso de inteligências artificiais, uso de dados, cooperação interparlamentar e participação popular nos parlamentos

Em seu segundo dia de evento, o LegisTech Forum 2020 prosseguiu com debates de temas relacionados ao uso da tecnologia como aliada na transformação de parlamentos ao redor do mundo e promoveu a troca de experiências inspiradoras entre diferentes instituições legislativas, motivadas sobretudo pela crise social e sanitária provocada pela pandemia de Covid-19.

No dia 27 de outubro, o evento organizado pela Bússola Tech realizou sete painéis dedicados à digitalização dos processos legislativos, investimento em inteligência artificial, ampliação da participação popular e ao intercâmbio de soluções. No total, o fórum contabilizou 24h de discussão sobre inovação.

Cooperação interparlamentar para a transformação digital legislativa

“Cooperativismo” não é um termo estranho à população brasileira, pois permeia a realidade de diferentes setores do país, mas a organização coletiva não está restrita ao sindicalismo trabalhista e ao empreendedorismo econômico. A cooperação interparlamentar foi o fio condutor do primeiro debate da manhã, mediado pelo CEO da Bússola Tech, Luís Kimaid, e que reuniu especialistas de diferentes nacionalidades.

Alisha Todd, do Parlamericas (Toronto, Canadá) destacou o êxito da Câmara dos Deputados brasileira em adotar tão rapidamente o sistema de deliberação remoto. “Estamos impressionados com o que fizeram no Brasil. Eles ainda foram proativos ao ponto de compartilhar o conteúdo de sua experiência em quatro idiomas no Parlamericas, em inglês, espanhol, francês e português, para que outras Casas legislativas pudessem aprender com seu processo”, avaliou.

Para Andy Williamson, escocês representante da União Interparlamentar (Geneva, Suíça) o fato de que, salvas as particularidades culturais de cada país, a similaridade nas estruturas dos parlamentos por si só já possibilita o intercâmbio de experiências: “Não estamos inventando a roda. O parlamento é algo simples. Precisamos focar nas semelhanças que temos, compartilhar boas práticas e inovar”.

Tiago Peixoto, do Banco Mundial (Washington, Estados Unidos), lembrou que outro importante fator a ser observado é o momento político, uma vez que é necessário o engajamento dos parlamentares no processo de transformação digital. “Algumas instituições já iniciaram essa transição, mas a grande maioria foi pega desprevenida pela atual crise que vivemos. A necessidade criou a oportunidade para essa transformação”, pontuou. Luís Kimaid concordou e completou: “esta pandemia mostrou às sociedades de diferentes países que o seu parlamento é mais que um edifício, é um valor democrático”.

Os especialistas foram unânimes em pontuar uma maior participação da sociedade no parlamento como um dos ganhos da digitalização de processos. “No fim do dia, todas as nossas conversas se voltam para a confiança porque esse é um fator fundamental na representação popular. O uso de dispositivos como o E-Cidadania, onde a população não apenas tem acesso ao teor de um projeto, mas também pode opinar sobre ele, nos deixa ainda mais próximos do verdadeiro conceito de democracia”, refletiu Alisha Todd.

Papel das startups na transformação digital do Poder Legislativo

O desenvolvimento de novas tecnologias não é algo necessariamente rápido, e por isso, muitas instituições optam por adaptar e utilizar soluções disponibilizadas em empresas de serviços especializados. Esse contexto embasou o painel “Como as startups podem ajudar o Poder Legislativo em sua transformação digital”.

Bruno Freitas é parte do Dínamo, um movimento de articulação na área de políticas públicas focado no ecossistema de startups. Para o empreendedor, a contribuição das empresas às instituições legislativas vai além da oferta de ferramentas, perpassando inclusive pelo modelo de organização interno. “As startups trazem metodologias ágeis para o cotidiano de um parlamento, o que te ajuda a entender seus objetivos e também como você pretende alcançar esses resultados. Essas métricas dão celeridade ao processo. Já existem diversos mecanismos prontos para testes que permitem achar novos entendimentos em um mundo volátil e incerto”, explicou.

A criação e implantação de setores de pesquisa e inovação dentro de Casas Legislativas tende a facilitar o diálogo entre instituições públicas e as novas prestadoras de serviço. Daniel Pandino, servidor do Senado Federal, citou o exemplo do NaInova, o Núcleo de Apoio à Inovação do órgão: “Além de prestar apoio administrativo em trazer para discussões esses novos métodos, nós acompanhamos e analisamos essas promessas de transformação digital para que sejam adequadas para a nossa realidade”.

Maria Nazaré Lins Barbosa, representante da Câmara Municipal de São Paulo, órgão responsável por representar 12 milhões de paulistanos, explicou que um dos focos de trabalho da Casa foi o de comunicar as leis de forma simples e amigável à população e que, para isso, foi realizado um forte investimento em perfis em diferentes mídias sociais. A Câmara também realizou uma adequação regimental e treinou os parlamentares para o uso de ferramentas para deliberação e votação remotas. E, além de tudo isso, instituição tem financiado pesquisas de grupos acadêmicos interessados em desenvolver soluções para o Legislativo.

A servidora destacou que é necessária uma ruptura dentro da cultura organizacional do parlamento, mas ressaltou que isso não significa, necessariamente, um rompimento com a tradição. “Uma lição que fica para depois da pandemia é que existem propostas e projetos legislativos de baixa complexidade, que não necessitam serem discutidos em plenário presencial. A deliberação remota oferece agilidade para essas situações e possibilita que o parlamentar passe mais tempo ouvindo a população”, raciocinou.

A participação no processo legislativo

A participação da população nos processos legislativos também foi tema de um painel moderado pelo servidor da Câmara dos Deputados Fábio Almeida, que lembrou que um dos grandes desafios a ser vencido no Parlamento digital é necessidade de capacitação da população em geral para uso de determinadas tecnologias. “Temos que levar em consideração que a linguagem tecnológica ainda não é plenamente acessível e isso pode inibir parte da sociedade. Um cidadão pode se ver intimidado e desconfortável por acreditar que não tem capacidade para usar uma ferramenta institucional”, ponderou.

Para Alisson Bruno, do Senado Federal, a população não deve ser subestimada. “Quando olhamos os comentários no E-Cidadania, vemos feedbacks e análises profundas sobre as propostas apresentadas. No dispositivo, temos a possibilidade de mediar e censurar postagens agressivas, mas isso quase nunca ocorre. O cidadão sabe como se conduzir naquele ambiente. Conseguimos observar uma participação popular construtiva com efeito prático”, elucidou.

A participação digital popular no processo podem ter resultados transformadores. Alexandra Chandram, do CitizenLab (Bruxelas, Bélgica) citou o recente engajamento da sociedade chilena no plebiscito que decidiu pela reformulação da Constituição do País: “Vimos uma forte mobilização que deu voz a um clamor popular e o ajudou a ser atendido”.

A criação de fóruns virtuais para o livre debate de proposições legislativas também diminui os ecos da subrepresentatividade. Débora Albu, da ITS Rio, citou a forte presença feminina nos espaços de debate em comparação com a baixa representatividade do gênero nos parlamentos brasileiros, mas aponta a necessidade de as mulheres estarem ainda mais envolvidas nos debates sobre transformação digital: “Hoje ainda se vê muito essa discussão em voga entre homens brancos. Precisamos construir uma melhor compreensão do processo de decisão em todas as parcelas da sociedade, afinal os debates e iniciativas que nascem no parlamento têm impacto direto na vida de todos”, finalizou.

Premissas da Inteligência Artificial

Não é Robocop, nem Matrix, muito menos Exterminador do Futuro. Embora muita gente tivesse medo no passado de que as máquinas dominariam o mundo, hoje a tentativa de reproduzir o comportamento humano automatizada de forma sistêmica, em larga escala e organizada por meio da Inteligência Artificial (IA) tem revolucionado uma Era. E sua utilização na esfera dos negócios, na Administração Pública e no Legislativo está em expansão significativa.

Em um dos painéis do LegisTech Forum, sobre as premissas da IA, os convidados Eduardo Andrade, servidor da Câmara dos Deputados; Débora Albu, da ITS Rio; Glauco Arbix, da USP; Fábio Rua, da IBM; e Jean Garcia Periche, da La Genia, dos Estados Unidos, abordaram que a IA deve ser usada em benefício da sociedade e para o bem, em como estruturar os dados e gerenciá-los para que os governos possam melhorar os sistemas econômicos e sociais.

Fábio Rua citou um exemplo que mais parece filme dos Jetsons, mas uma realidade que a Inteligência Artificial vai proporcionar muito em breve. “Imagine a cena: você é convidada a ir a uma festa hoje à noite e quer comprar um vestido novo. Aí você se conecta com a sua assistente, por meio de um óculos digital, que lhe apresenta uma série de opções, com combinações e adereços. Você seleciona qual vai querer usar e compra por meio do cartão de crédito. A informação é repassada a uma loja próxima onde mora e o vestido é confeccionado em uma impressora 3D. Finalizado, um drone o deixa na porta da sua casa”.

Os painelistas salientaram, no entanto, alguns riscos que a IA pode trazer no futuro e da necessidade de amadurecimento do seu uso. O professor Glauco da USP foi enfático em dizer que o banco de dados carrega preconceitos – uma vez criado por humanos – e merece atenção: “O mundo de quem faz a Inteligência é branco e masculino. Raras as exceções de mulheres que se empoderam e se destacam nesse ramo. É necessário que haja uma diversidade, livre de crendices ou preferência de gêneros, incluir novas populações dentro da tecnologia”.

A precisão, a proteção de informações, a transparência e a confiança também foram pilares do bate-papo desse painel. “Os números possuem um grande potencial, seja para o bem, como pode ser um destruidor de empregos. É preciso uma adoção ética e ter uma responsabilidade algorítmica, uma autorregulação observando os riscos para a sociedade”, disse o norte-americano.

 

Uso de dados e inteligência artificial no processo legislativo

Do universo tecnológico para o cotidiano do parlamento brasileiro, os servidores da Câmara, Patrícia Almeida, e do Senado, Lauro César Araújo, comentaram sobre a complexidade de integração entre todas as áreas envolvidas na elaboração das leis. E como tornar o processo eficiente, uma vez que é preciso observar o ordenamento jurídico, méritos, opinião pública, entre outros aspectos.

Além disso, mais do que o processo legislativo em si, a decisão política jamais será substituída por ferramentas tecnológicas. “Temos 513 deputados, 81 senadores, líderes partidários, blocos partidários, presidentes, comissões… Por mais que existam soluções facilitadoras para a integração de informações, existe a autonomia do parlamentar”, ressaltou Patrícia.

Lauro também questionou a necessidade de definição de estratégias de fomento da tecnologia no país e disse que a discussão deve ser levada para o âmbito do Legislativo: “Importamos muitas ferramentas, mas estão longe da nossa realidade. Como vamos investir no nosso futuro? Precisamos de boas práticas de desenvolvimento, autenticações que atestam a segurança do usuário, ter ética. E precisamos de leis mais robustas nesse sentido”.

Raphael Caldas, do Inteligov – primeira plataforma digital de monitoramento e inteligência em dados do Governo, também participou do painel. Ele elogiou as iniciativas do Legislativo em comparação a outros poderes em termos de transparência, navegabilidade e acessibilidade. “Uma visão de comunidade de quem produz e de quem consome está evidenciada no Legislativo Federal. Observamos a necessidade de expandir essa ação para as esferas estaduais e municipais”.

Esse painel contou ainda com a participação internacional do servidor do EU Parliament, de Bruxelas (Bélgica), Ludovic Delepiné. Ele agradeceu o intercâmbio de informações e interrogou: “O que o Parlamento está fazendo pela população? Advertimos que somos reféns de prestadores de serviço no quesito tecnológico e subestimamos as consequências legais dessas decisões. É muito complexo confiar nos dados e o seu uso deve ser usado para atividades essenciais do Parlamento para tornar o trabalho dos parlamentares mais efetivo. A democracia deve estar sempre em primeiro lugar”.

Panorama da digitalização dos Tribunais de Contas

André Siqueira e Renata Passos, servidores do Tribunal de Contas da União, e Rita Santos, do Senado, protagonizaram o painel sobre o controle, a avaliação e fiscalização de políticas públicas, com base nos dados fornecidos pela Administração Pública Federal.

Renata lembrou que, desde 2017, quando se implementou a avaliação das políticas públicas pelo TCU, havia uma série de gargalos nos indicadores e projeções de cenários: “Que problemas queremos resolver? Quais são as causas? E as melhores soluções? Com o tempo, essas perguntas começaram a ter respostas mais aprimoradas e, assim, foi possível montar guias de avaliação, documentos de análise a longo prazo e possibilitar treinamentos para os agentes públicos”.

Já Rita complementou que as boas práticas devem ser baseadas nos princípios constitucionais e a digitalização colaborou na qualificação do processo decisório: “Estamos em um ciclo de um constante aprendizado. Com a integração de ações e informações, com impacto regulatório, fortalecimento do controle, a entrega de bons serviços para a sociedade é ainda maior”.

Uso de dados e Inteligência Artificial na fiscalização de políticas públicas 

O último painel do LegisTech trouxe exemplos práticos do controle social das políticas públicas e dos benefícios de plataformas digitais para essa missão. A Serenata de Amor, por exemplo, não é apenas um delicioso bombom. É também o nome dado a um projeto pioneiro de fiscalização do terceiro setor para analisar as cotas ou verbas parlamentares.

Mário Sérgio, da Open Knowledge Brasil, líder técnico da equipe que desenvolveu o Serenata de Amor, convida a população a fazer um trabalho investigativo. “Os cidadãos devem estar engajados nesse processo, pois trata-se de um investimento coletivo. Temos que saber para onde o nosso dinheiro está indo”, salientou.

Rodrigo Felisdório, secretário de TI do TCU, foi um dos integrantes desse debate. “O melhor caminho do serviço público é investir em pessoas, estratégia e tecnologia. O tribunal completará 130 anos e o grande desafio é colocar as pessoas no centro do processo, engajá-las a interagir de forma mais ativa. O uso de plataformas deve ser simples, útil e mensurável. E no caso do TCU, estamos investindo na fiscalização de pessoal e de infraestrutura, além do repasse de recursos a instituições de ensino”, ponderou.

Felipe Castro (La Genia, Estados Unidos) corroborou as iniciativas dos brasileiros: “O LegisTech Forum proporcionou uma troca incrível de experiências ao redor do mundo”.

 

 

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