Nos primórdios do nosso Brasil, por volta de 1500, quando éramos Terra de Vera Cruz, referida nas cartas de Pero Vaz de Caminha; e um pouco mais adiante, já com o nome de Brasil, instituído por dom João III ao designar Martin Afonso de Sousa governador da terra do Brasil, não tínhamos polícia. Em verdade, não tínhamos Leis próprias, nem mesmo uma estrutura de Estado em que pudéssemos nos valer para a construção de uma vida social. O Brasil colônia importava as Ordenações do Reino: Afonsinas, depois Manuelinas e Filipinas; quando do domínio espanhol.
Na Europa, quando o navegador Pedro Álvares Cabral retornou com a sua armada, passaram a chamar a sua descoberta de a Terra dos Papagaios, clara referência ao seu exotismo tropical. A fiscalização dos impostos e a manutenção da ordem social eram conseguidas pela importação de forças portuguesas no sistema das capitanias hereditárias. Em 1808, com a vinda da família real para o Brasil, começa a surgir uma estrutura mínima de Estado. D. João VI migra para a colônia todo o seu establishment. Mas, não havia a polícia com o conceito que emprestamos hoje. Havia os Corpos de Ordenança (tinha linha hierárquica que ia até Portugal); a Tropa Paga (mercenários) e as Milícias (grupos locais sem formação militar), também chamadas de paisanos armados. O Príncipe-Regente Dom João VI translada para o Brasil a Intendência Geral de Polícia da Corte, que terá o papel de englobar todas essas forças existentes e suplantá-las. Porém, ainda não era a polícia como concebemos hoje. Tinha um papel por demais ampliado, operava muito mais como prefeitura, assumindo várias missões, como limpeza urbana, construção, abastecimento da cidade, conserto de pontes, controle de gastos etc. Também combate ao crime e o controle migratório.
Com a Proclamação da Independência em 1822, D. Pedro I convocou uma Assembléia Constituinte, mas o processo não estava indo conforme o regente desejava, então mandou invadir, prender e exilar vários deputados no que ficou conhecido como A Noite da Agonia. A Constituição que surge outorgada em 1824 traz, paradoxalmente, a previsão para o poder Legislativo em dispor sobre a sua própria polícia. Sob tal ótica, inaugura-se um modelo de polícia genuinamente brasileiro, nascido no seio do Legislativo (não no Executivo, pois praticava modelo importado). Somente em 1866 um decreto imperial cria a Guarda Urbana e o Corpo Militar de Polícia da Corte; consagrando a divisão que hoje conhecemos entre Polícia Civil e Polícia Militar.
Veio a Proclamação da República, em 1889, um golpe militar. “Um militar monarquista derruba um monarca republicano para implantar uma República”, como sintetizou o jornalista-historiador Laurentino Gomes. Não há espaço aqui para tecermos maiores considerações, mas pouca coisa muda no tecido social e emerge o poder regional na figura dos Coronéis; líderes oligárquicos locais. Para confrontar o coronelismo surge a Revolta de 1930 levando ao poder o governador gaúcho Getúlio Vargas. Em 1937, Vargas implanta o regime autoritário do Estado Novo, outorgando uma nova Constituição, a Polaca.
Getúlio Vargas queria uma polícia com atuação em todo território nacional, então, em 1944, altera a antiga denominação de Polícia Civil do Distrito Federal para Departamento Federal de Segurança Pública – DFSP (Decreto-Lei nº 6.378). Com a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília em 1960, vários integrantes do DFSP não aceitaram a mudança deixando o departamento com sérios problemas em sua estrutura. A solução encontrada foi incorporar a outro órgão de segurança que havia sido criado para manter a ordem no território da construção de Brasília: a GEB – Guarda Especial de Brasília. Mas, foi somente em 1967, ao final do mandato do Presidente Castello Branco, que foi semi-outorgada uma nova Constituição que consolidaria o regime militar e traria pela primeira vez a criação da Polícia Federal.
É claro que esse processo não é estanque e a Polícia Federal já vinha se modernizando e buscando o aperfeiçoamento aos moldes do FBI – Federal Bureau of Investigation, dos EUA.
Atualmente, a construção da nossa novel democracia tem sofrido duros golpes. Seja por parte de políticos corruptos que dilapidam o patrimônio público, seja por parte de emulações infundadas entre órgãos do Estado, que deveriam concorrer para o bem social comum. A Polícia faz parte do processo civilizatório dos Estados Modernos, portanto, é imprescindível para a manutenção do contrato social. É o braço mais cruel e implacável do Leviatã, mas é a força executora e propagadora da Justiça.
Ainda estamos inseguros de nossas missões dentro da sociedade: ainda causa estranheza nos meios de comunicação a existência de uma Polícia Legislativa. A Polícia do Capitólio, nos Estados Unidos, não só policia o Parlamento americano como também patrulha 200 quadras ao seu redor e não sofre nenhum questionamento em sua atuação. Todas as Polícias do Brasil têm como fonte de existência legal a Constituição Federal de 1988. Está tudo lá, está escrito e sobejamente divulgado. Não há porque estranhar e torcer o nariz para o que não é esdrúxulo. Nenhum cidadão pode alegar o desconhecimento da Lei. O respeito às Leis e à Constituição da República formam a base de nossa Democracia. Não somos mais a Terra dos Papagaios para sermos motivo de chacota pelas outras nações; rindo de nossa incapacidade de organização social. Não somos o país do carnaval, com plumas e penas coloridas, papagueando nas avenidas. Somos uma Nação rica e esplendorosamente promissora. Somos a Terra Brasil, onde arde o braseiro do vigor humano. Precisamos agora de todo o calor cívico. Necessitamos apoiar todas as ações da Justiça. Devemos dar um passo adiante e pararmos de questionar a existência de instituições republicanas, quando o cerne do problema é a existência de autoridades que não respeitam essas mesmas instituições.
Antônio Vandir de Freitas Lima
Policial Legislativo Federal
Bacharel em Direito
Pós-graduado em Inteligência Estratégica
Diretor de Comunicação da Associação da Polícia do Congresso Nacional