Congresso do IBAP debate futuro da democracia em meio a crises ambientais e tecnológicas

O Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP) realizou, entre os dias 14 e 16 de agosto, em João Pessoa, seu 28º Congresso. Com o tema “Democracia: Riscos e Perspectivas”, o evento reuniu especialistas para debater desafios como a proteção do meio ambiente, o avanço da inteligência artificial e as ameaças à democracia.

Durante o congresso, os participantes discutiram a importância da interdisciplinaridade para enfrentar desafios como a crise climática e a disseminação de fake news. Especialistas em direito, literatura, psicologia e outras áreas trocaram ideias sobre como garantir a justiça ambiental e proteger os direitos humanos em um mundo cada vez mais digital.

Um dos pontos altos do evento foi o painel sobre a inteligência artificial, conduzido por Bernardo Lins, engenheiro, doutor em Economia e servidor da Câmara dos Deputados filiado ao Sindilegis. Os debatentes alertaram para os riscos da coleta indiscriminada de dados e defenderam a necessidade de regulamentação para garantir o uso ético dessa tecnologia.

Em relação ao meio ambiente, os congressistas avaliaram que os danos são imprescritíveis, exigindo reparação contínua. Além disso, as discussões deixaram claro que os desastres ambientais não são acontecimentos isolados, mas sim consequências de comportamentos da sociedade e do sistema econômico, que devem ser abordados em prol da justiça e do bem-estar social.

Por fim, o congresso reforçou a importância da defesa da democracia, especialmente em um contexto de ascensão da intolerância e da extrema direita. Os participantes ressaltaram a necessidade de uma Advocacia Pública ativa na construção de políticas climáticas e na proteção dos valores constitucionais.

A carta de João Pessoa, elaborada ao final do congresso, reforçou a importância do fortalecimento das instituições democráticas e do combate à desigualdade social e à exploração ambiental.

O evento foi organizado pelo Instituo de Advocacia Pública, com apoio do Sindilegis, da Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Alesgis) e da Associação dos Consultores Legislativos e dos Advogados do Senado Federal (Alesfe).

Confira a íntegra da Carta de João Pessoa/PB – 2024, lida ao final do congresso:

Carta de João Pessoa/PB

Os congressistas do IBAP, reunidos em João Pessoa nestes dias de 14, 15 e 16 de agosto de 2024, renovam a incansável disposição para a busca da plena efetividade das normas constitucionais em defesa da vida e dos direitos e garantias fundamentais em um contexto de ameaças ao regime democrático e ao meio ambiente saudável e equilibrado.

Os debates realizados durante o 28º Congresso do IBAP evidenciam a importância de promover, cada vez mais, o diálogo interdisciplinar entre o Direito e outras ciências e saberes. Esse diálogo permite a compreensão e o enfrentamento às hostilidades à democracia e o exercício da Advocacia Pública.
 
O congresso realizado em João Pessoa foi um propício momento de debates sobre temas da humanidade, como litigância ambiental/climática, regulação das redes virtuais e inteligência artificial, defesa da democracia. 

Das reflexões trazidas, os congressistas concluem o seguinte;

Danos ambientais são imprescritíveis. Impõe-se a reparação de danos continuados, inclusive no meio ambiente urbano, já que não há falar em ato consumado. Exorta-se os órgãos de advocacia pública a tomarem as medidas administrativas e judiciais cabíveis para fins de recuperação do meio ambiente pelos responsáveis pela degradação, diretos ou indiretos.

Reafirma-se a imprescindibilidade da adoção de metodologia interdisciplinar ou transdisciplinar para o desenvolvimento de estudos e pesquisas no campo do Direito. Nesse sentido, é inteiramente pertinente o aporte de abordagens no âmbito da teoria literária, da geografia humana, da biologia, da psicanálise, da sociologia e de outros campos do conhecimento humano.

A transparência dos sistemas de inteligência artificial é condição “sine qua non” para a legalidade de seu uso. Não se admite a coleta de dados pessoais não autorizados expressamente. O desenvolvimento da IA não pode descurar do estabelecimento de princípios éticos, que guiem seus resultados para o benefício coletivo. É necessário que seja assegurado acesso às bases algorítmicas, para que sejam combatidos eventuais vieses discriminatórios de raça, gênero, classe, posição política, religiosa, etc.

Os profissionais da defesa ambiental, em seus diferentes seguimentos, como o Direito, a Literatura, o Cinema, o Teatro, a Engenharia, dentre outros, vivenciam desafios e angústias que precisam ser a cada dia mais difundidos e compartilhados entre si, como medida individual e coletiva de melhor bem-estar psicossocial.

Os desastres ambientais não são ocorrências fortuitas, desgarradas dos comportamentos das populações e do sistema econômico. O capitalismo visa  a acumulação, enquanto necessário é buscar a  distribuição de riquezas e a redução de desigualdades. 

É fundamental recuperar e enraizar a noção de que as cidades são feitas para as pessoas e não para atender a interesses imediatos de lucro.

A defesa da democracia, para além da conveniência política, constitui imperativo constitucional. A escalada da intolerância, representada pela ascensão da extrema direita no mundo e  no Brasil é, nessa medida, fenômeno que causa extrema preocupação. É importante que as instituições de Estado, cujo compromisso com a guarda dos valores constitucionais constitui obrigação inerente à sua condição, se mantenham fiéis à defesa da ordem democrática.

O Direito moral autoral, ao prever a intangibilidade das obras permite a sua defesa, pelo autor, de abusos observados nas redes sociais, o chamado “cancelamento”, cabendo ao Estado a proteção das obras que estão em domínio público.

Urge reconhecer a importância da participação da Advocacia Pública na construção de políticas climáticas efetivas para a mitigação dos danos decorrentes de eventos extremos, viabilizando o diálogo e a parceria entre a sociedade civil, iniciativa privada e Poder Público.

A identidade histórica brasileira, sintetizada e conformada pelo Poder Constituinte em 1988 contra o autoritarismo e as sempre renovadas ameaças ao princípio da soberania popular, clama por mais ordem democrática e cultura para a plena superação do hiato ainda sentido entre a representação política e a realidade social nacional. 

A despeito da ideologia de que o mercado se auto-regula, apenas no espaço público democrático se faz possível colocar limites aos desejos de infinita obtenção de lucro em detrimento do meio ambiente e da vida, com justiça e bem estar para todo o povo brasileiro, o que faz da transparência e do controle social sobre todas as esferas de poder o fundamento republicano maior e inalienável. 

Vida longa ao IBAP!

João Pessoa, 16 de agosto de 2024.

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