“Enquanto a saúde pública não estiver sob controle, políticas econômicas serão secundárias”, afirma Binyamin Appelbaum

Na primeira edição internacional do Café com Política, o autor norte-americano do best-seller “The Economists’ Hour” discutiu sobre a ascensão dos economistas, o papel do Estado na pós-pandemia e o impacto do liberalismo no mundo

Em transmissão ao vivo realizada nessa segunda-feira (19), o renomado escritor norte-americano do conselho editorial do jornal “The New York Times” Binyamin Appelbaum conversou por quase uma hora e meia, a convite do Sindilegis, para apresentar suas visões sobre a ascensão dos economistas no desenho de políticas públicas, o acelerado crescimento da desigualdade social e os impactos que países como Estados Unidos, precursor dessa revolução, Chile e Taiwan passaram após a mudança de cenário.

Além do norte-americano, essa edição do Café com Política – a primeira internacional –também trouxe o jornalista Thomas Traumann, ex-ministro de Comunicação Social e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, como debatedor e, para mediar a discussão, a jornalista e diretora de Comunicação Social do Senado Federal, Érica Ceolin. O vice-presidente do Sindilegis Alison Souza também participou do debate.

“A hora dos economistas” – A visão de Appelbaum é oriunda de vários anos de pesquisa, teses e estudos, que se transformaram no livro “The Economists’ Hour: False Prophets, Free Markets and the Fracture of Society” (A hora dos Economistas: falsos profetas, livres mercados e a fratura da sociedade). Nele, o norte-americano relata a revolução pela qual os Estados Unidos passaram em 1960, momento em que economistas começaram a ter um papel central no desenho de políticas públicas. Na época, para esse segmento, o governo deveria reduzir sua presença na economia – isso significava menos regulação, menos impostos, menos gastos.

“Governos nunca foram bons em administrar e cuidar da economia. E para os economistas à época, o mercado era muito mais eficiente em alocar recursos do que os burocratas. Contudo, a primeira coisa que chama a atenção nessa revolução é em como ela fracassou em acelerar o crescimento econômico. E pior: também foi responsável pelo aumento da desigualdade econômica. Durante o momento em que eu chamo de ‘hora dos economistas’, os Estados Unidos e os países que seguiram seus passos descartaram essas políticas. A desigualdade ganhou espaço porque deixamos de tentar reduzi-la”, explicou.

Contradições –   Segundo Traumman, o Brasil também foi um dos países afetados por essa mudança de perspectiva dos economistas. Um exemplo que desenha claramente esse cenário pode ser visto na última campanha eleitoral do país, ocorrida em 2018, marcada por debates não só entre candidatos à Presidência, mas também entre os assessores econômicos de todos aqueles que concorriam para presidente.

Ao afirmar que existe no Brasil uma linha liberal muito clara, onde economistas que pregam o liberalismo acabam trabalhando para governos autoritários, Traumann questionou Appelbaum se esse raciocínio não seria um tanto contraditório. Para o norte-americano, o cerne da questão deveria ser outro: de acordo com ele, é preciso entender o que as pessoas entendem e valorizam por liberdade.

“O que você tem são economistas que defendem a importância do direito de propriedade e estão dispostos a sacrificar outras formas de liberdade a fim de garanti-lo. Em outras palavras, é como se dissessem: ‘não precisamos de democracia agora’, ‘não precisamos de liberdade de expressão’, ‘não precisamos dessas outras formas de liberdade’, ‘o que precisamos agora é do direito de propriedade’, ‘o que precisamos é assegurar o progresso econômico’. Isso é fundamentalmente errado e a história nos ensinou que quando você renuncia aos seus direitos a fim de alcançar lucro, você acaba, no final, sem prosperidade e sem liberdade”, apontou.

Papel do Estado na pós-pandemia – Em meio à quarentena e à pandemia ocasionada pela Covid-19, Alison Souza aproveitou para questionar Appelbaum sobre sua visão a respeito do papel do Estado no pós-pandemia e que tipo de política econômica deverá prevalecer na maior parte dos países capitalistas.

De acordo com o norte-americano, esse será um momento de intensos desafios, mas também de oportunidades: “Enquanto o problema da saúde pública não estiver sob controle, políticas econômicas serão secundárias. Não veremos um reavivamento econômico enquanto não oferecemos a vacina ou melhores políticas públicas de saúde, ou ambas, no melhor cenário. Quando isso for alcançado, os governos vão precisar estar preparados para abrir seus talões de cheque se quiserem reviver a economia”.

Pai do liberalismo – Há 50 anos, a revista Times Magazine publicaria um ensaio do economista Milton Friedman – considerado o pai da chamada Escola de Chicago de economia, conhecida por sua visão de livre mercado – no qual defendia que as empresas deveriam se abster de qualquer compromisso social e focar em um único objetivo: gerar lucro. A tese era de que se as corporações se concentrassem apenas em ganhar dinheiro e se o governo não interferisse, a economia cresceria e todos se beneficiariam. Infelizmente, a história mostrou que essa visão ficou apenas no imaginário e, em um artigo publicado em setembro deste ano, Appelbaum afirmou que, nos dias de hoje, cobra-se exatamente o inverso das empresas. Para ele, esse caminho é errado, tendo em vista que o Estado é quem deveria ser o protagonista na mediação dessas relações.

“O ensaio de Friedman é hoje muito criticado e o que se prega atualmente é que as corporações devem fazer o caminho contrário e realmente cuidar de seus empregados, fomentando a responsabilidade social. Mas quero deixar claro: se há corporações que voluntariamente se preocupam com a poluição, pagam auxílio-creche para funcionários e buscam dar oportunidade a colaboradores com mais idade, fantástico! Mas é bobagem achar que podemos confiar em corporações para fazer tudo isso de forma voluntária. É preciso termos em mente que corporações são criaturas do Estado”, explicou.

Crescimento tímido do Brasil – Appelbaum também foi questionado como o Brasil poderá sobreviver frente ao mercado, tendo em vista às últimas crises político-econômicas do país. Ele explica que, após a Segunda Guerra Mundial, todos os olhos se  voltaram para países da América Latina como Brasil, Argentina e Chile, considerando que o período pós-guerra seria o cenário perfeito para esses países, que detinham populações jovens e terras ricas em riquezas naturais, pudessem prosperar, apostar na industrialização e se tornar verdadeiras potências. Contudo, o norte-americano exemplifica que países do Leste Asiático, que não tinham as mesmas condições, acabaram se desenvolvendo muito mais que a América Latina.

“É uma situação complexa de analisar, mas acredito que alguns fatores devem ser observados para entender o porquê isso aconteceu: primeiro, os países asiáticos foram muito mais agressivos na redistribuição de terras, assegurando que as pessoas tivessem dinheiro suficiente para entrar no mercado e perseguir seus sonhos. Segundo, eles investiram de forma muito mais pesada na educação e na infraestrutura próprias do que os países latino-americanos”, pontua.

Comparação entre Chile e Taiwan – O vice-presidente Alison Souza questionou ao norte-americano porque decidiu, em seu livro, comparar a relação entre os países Chile e Taiwan, tendo em vista suas peculiaridades e políticas distintas.

“Ambos são, de certa forma, ilhas, devido ao isolamento geográfico, além de serem comunidades econômicas isoladas. Os dois estão em lados opostos no mundo e saíram da Segunda Guerra da mesma forma: pobres e preocupados em como deveriam interagir com os EUA, como deveriam cobrar do futuro econômico de seus próprios países. Em Taiwan, algumas medidas de grande importância foram tomadas pela sua liderança política. Como exemplo, foi assegurada a redistribuição da terra para agricultura, para que todos no país tivessem uma quantidade de terra para prosperar e viver, para montar negócios. Investiram pesado na educação de forma barata para todos. Isso tudo serviu para reverter a economia de Taiwan e torná-la de igual para igual com vários países desenvolvidos do mundo”, explica.

Já no Chile, contudo, Appelbaum explica que segue o caminho contrário: “As reformas políticas não foram bem sucedidas em conseguir manter essa redistribuição. As terras permaneceram concentradas intensamente em pequenos grupos. Grupos de elite ricas tinham total controle sobre a economia. Enquanto o Chile era uma democracia na época, Taiwan era uma ditadura, e o poder em ambos os países era concentrado em um grupo pequeno de pessoas. No Chile, aqueles que estavam no poder resistiram ao desenvolvimento econômico do país, se recusaram a investir na educação para a população em massa. Isso afetou profundamente os rumos do país”.

Para assistir à íntegra do Café com Política edição internacional clique aqui.

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