Publicado originalmente pela Revista Fórum
Para Pedro Rossi, jornal usou gráfico com dados que não mostram o dado correto e recalculou: aumento foi de 7,6%, e não de 10,4% em uma década
O professor da Unicamp Pedro Rossi publicou em seu Twitter que, ao analisar a matéria da Folha de São Paulo levou à manchete da edição de domingo (11), dando conta de que o Brasil foi o país que mais expandiu gastos públicos em uma década, encontrou uma série de erros que anulam a conclusão do enunciado.
Encontramos ERROS com os dados na capa da @folha de ontem. O bom jornalismo deve corrigir.
O primeiro é o uso dos dados de "expense" que exclui investimentos líquido, em vez de "expenditure". Abaixo a série replicada q a folha usou e a correta com os dados do FMI.
1/n pic.twitter.com/WGMbQYc32M— Pedro Rossi (@pedrolrossi) October 12, 2020
O primeiro deles, segundo Rossi, é que a reportagem partiu de dados errados. Ele relata que o jornal usou um gráfico do Fundo Monetário Internacional (FMI) que traz os dados de “expense”, que exclui investimentos líquidos, quando deveria ter usado para sua comparação os números de “expenditure”. O economista publicou os gráficos com os dados, reproduzido no início desta matéria.
Embora as duas palavras possam ser livremente traduzidas como “despesas”, os dois conceitos são diferentes em economia e finanças. “Expenditure” significa o pagamento ou desembolso de dinheiro. Já “expense” é toda uma seção de um balanço. Em uma empresa, por exemplo, o conceito de “expense” inclui os custos de fabricação, depreciação, salários, aluguéis e outras despesas que a companhia tem para chegar ao produto final.
Rossi refez o cálculo tendo por base os dados que considerou corretos. Na série usada pela Folha, de “expense”, o aumento do gasto público no Brasil de 2008 a 2018 foi de 10,4%. Já com os números de “expenditure”, o economista calculou que o número seria de 7,6%.
Metodologias diferentes na mesma série
Outro erro encontrado pelo professor da Unicamp foi que, em sua análise, que a Folha não considerou que o FMI junta duas séries históricas do Tesouro Nacional que usam metodologias diferentes. Para explicar seu argumento, ele reproduz publicação do economista Sergio Gobetti no Facebook acerca do mesmo tema. Nela, Gobetti escreve que, depois de 2013, o Tesouro passou a adotar uma metodologia de estimação do gasto público que inclui na conta as chamadas “operações intraorçamentárias e outras meramente contábeis, como contribuições patronais para Previdência, além dos repasses do FGTS”.
Gobetti destaca que essas contas eram totalmente diferentes em 2008, ano usado pela Folha para início de sua análise, e que a série histórica que o Tesouro envia ao FMI não faz “nenhuma ressalva sobre a descontinuidade metodológica, induzindo a confusão”.
Pedro Rossi destaca ainda que, para comparar o tamanho do gasto público entre países, a boa análise econômica precisa levar em conta o que essas nações oferecem em termos de serviços públicos. E afirma: “Não faz sentido comparar o Brasil com países que não têm Previdência Social, SUS, ensino superior gratuito etc.”.
Professora da USP e ex-colunista da Folha, Laura Carvalho retuitou o fio de Pedro Rossi, avalizando-o, e escreveu: “Me parece um caso claro de publicar um Erramos, ainda mais sendo matéria de capa”.