Lei Maria da Penha chega aos 16 anos com progressos e desafios na proteção da mulher contra a violência

A Lei Maria da Penha completou 16 anos nesse domingo (7). A norma é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das leis mais avançadas do mundo para proteger as mulheres. Apesar dos avanços, ainda há muitos desafios pela frente. Os números de violência contra a mulher são alarmantes. Em 2021, em média, uma mulher foi morta a cada sete horas no Brasil apenas pela condição de ser mulher. Foram 1.319 vítimas de feminicídio no último ano, segundo o levantamento “Violência contra mulheres em 2021”, compilado pelo Fórum de Segurança Pública.

Para a diretora de Comunicação Social do Sindilegis, Elisa Bruno, as frentes de combate à violência devem incluir ações como acolhimento, suporte, acompanhamento, detecção, investigação, punição, e, sobretudo, medidas educativas. “A educação é a resposta. Uma sociedade saudável, pautada no respeito e na dignidade, deve ser construída por meio da educação, nada supera como prática de liberdade, como dizia o mestre Paulo Freire”, destaca.

“A Lei Maria da Penha, a meu ver, é o entendimento de que precisamos aumentar o passo na luta contra a desigualdade de gênero. É urgente, prioritário o enfrentamento da violência. Não é mais tolerável, nem possível, que continuemos sendo mortas dentro de nossas casas”, acrescentou.

Os desvios de interpretação de tribunais que vão contra o espírito da Lei Maria da Penha são alguns dos entraves para assegurar às mulheres proteção contra a violência. Essa é a avaliação de Cleide de Oliveira Lemos, consultora legislativa do Senado aposentada e filiada do Sindilegis , que atuou diretamente para que a legislação se tornasse realidade. De acordo com ela, o Judiciário tem esvaziado a eficácia da lei. Cleide demonstrou preocupação com uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que alterou o encaminhamento que vinha dando à questão.

“O STJ tem exigido prova de que a mulher espancada dentro de casa pelo marido, por exemplo, estava em uma situação de desvantagem de gênero para poder enquadrar o caso como violência doméstica e familiar. Isso é muito grave e tem acontecido sem que as pessoas se deem conta. Muitas mulheres têm ficado sem a proteção da Lei Maria da Penha por conta do comportamento judicial”, explicou.

Para superar esse entrave, um projeto de lei foi apresentado no Senado em busca de proteger as mulheres contra brechas na interpretação da Lei Maria da Penha que levam à não aplicação das medidas protetivas previstas na norma. Trata-se do PL 1.604/2022, que afirma ser violência baseada no gênero qualquer situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da causa e da motivação. O texto prevê a concessão de medidas protetivas em todos os casos de violência contra a mulher, em juízo de cognição sumária, ou seja: com base na probabilidade, sem a análise exaustiva das provas.

A servidora, também participante do grupo que redigiu a justificação do projeto, alerta que “o machismo estrutural tem procurado desautorizar a Lei Maria da Penha, que atua diretamente em prol da igualdade de gênero”. O projeto de lei, segundo ela, é uma forma de driblar a estratégia de exigir coisas que não estão na lei para poder desclassificar a violência doméstica e familiar.

Agosto Lilás – O Congresso Nacional lançou na quarta-feira (3) a campanha “Agosto Lilás” para lembrar os 16 anos da Lei Maria da Penha. As cúpulas do Congresso ficarão iluminadas com a cor lilás para chamar a atenção sobre a necessidade de combate à violência contra a mulher.

Em mensagem gravada para o evento, a brasileira Maria da Penha Fernandes, que dá nome à lei, ressaltou a importância da educação para diminuir a violência contra a mulher: “Eu e o meu instituto trabalhamos para que a Lei Maria da Penha seja corretamente implementada e as recomendações do relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, referente ao meu caso, sejam cumpridas. Especialmente, a Recomendação 4E, que preconiza que o Estado brasileiro deve incluir em seus planos pedagógicos disciplinas destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e aos seus direitos e ao manejo dos conflitos intrafamiliares. Acreditamos que a mudança de cultura precisa passar impreterivelmente pela educação”, afirmou.

Campanhas de conscientização do Sindilegis – Desde 2018, o Sindilegis tem abordado de forma contundente os temas relacionados aos interesses das mulheres. As campanhas de conscientização do Dia Internacional da Mulher “Florzinha é bom, mas direitos iguais é melhor” (2018) e “Armas Contra o Machismo” (2019) trataram sobre a desconstrução de alguns símbolos para versar a respeito de questões como a luta por respeito, a equidade de gêneros, a igualdade, o combate à opressão e à violência contra a mulher.

Já a peça publicitária “A violência contra a mulher não pode imperar”, lançada em março de 2021, também por ocasião do Dia Internacional da Mulher, resgatou um importante personagem na história brasileira para demonstrar que a violência contra a mulher não é recente. A campanha faz uma reinterpretação dos escritos da princesa Leopoldina, esposa de D. Pedro I que, durante anos, sofreu com as agressões físicas cometidas pelo imperador. Assista aqui.

Em março deste ano, foi a vez de lançar o livro “Como não ser um babaca: guia prático para homens que cansaram de ser machistas no trabalho e na vida”. A obra, escrita em parceria com o Instituto AzMina, traz relatos de violências cometidas contra mulheres e análise de situações constrangedoras do cotidiano com o objetivo de conscientizar homens de todas as idades e classes sociais sobre a reprodução de atitudes machistas, seja no ambiente profissional, seja em casa ou em qualquer outro espaço.

Histórico

A lei leva o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica nascida em Fortaleza, no Ceará. A brasileira sofreu uma tentativa de assassinato em 1983 por parte do marido e ficou paraplégica. Após meses de tratamento e diversas cirurgias, Maria da Penha voltou para casa e ficou em cárcere privado. Quinze dias depois, o marido Marco Antônio Heredia Viveros tentou assassiná-la de novo, por eletrocussão durante o banho.

Passada uma década e meia sem resposta do Judiciário brasileiro para responsabilizar o autor da violência, Maria da Penha conseguiu, em 1998, com a ajuda do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), ver seu caso analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em 2002, a CIDH condenou o Estado brasileiro por omissão e negligência e fez uma série de recomendações. Entre elas, adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o agressor, medidas necessárias para que o Brasil assegure à vítima uma reparação simbólica e material pelas violações. Atendendo a uma dessas recomendações, o Estado brasileiro fez a reparação simbólica, nominando a Lei 11.340/06, como “Lei Maria da Penha”, e em 2008, fez a reparação material pagando o valor de R$ 60.000,00 para Maria da Penha. Na época, ela afirmou: “Dinheiro nenhum pode pagar a dor e a humilhação das últimas duas décadas de luta por justiça”.

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