Médico especialista Renato Veras propõe a volta do médico de família

Em palestra no Sindilegis, profissional defendeu um novo modelo de saúde, que busca oferecer um melhor atendimento com menor custo na saúde para o brasileiro

Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em gerontologia Renato Veras foi convidado pelo Sindilegis a palestrar sobre um novo modelo assistencial para uma longevidade saudável e participativa. Ele explica que a forma de gestão dos planos de saúde no Brasil está defasada e precisa ser reformulado, para que as empresas possam continuar atendendo seus beneficiários. Confira na entrevista na íntegra qual o novo modelo proposto pelo especialista.

O senhor apresentou um modelo assistencial de saúde, que foi reconhecido, inclusive, pela Organização Mundial da Saúde. Poderia explicar melhor como ele funciona?

R: Na verdade, não tem nada de novo nesse modelo, porque ele é difundido em outros países. A proposta é que cada médico tenha um grupo de pacientes, como acontece na Inglaterra, trabalhando ao lado de uma enfermeira e um grupo qualificado de profissionais. Cada paciente teria, em média, cinco consultas por ano, com acompanhamento periódico e a centralização de prontuários, remédios e consultas em um único lugar. E por que isso? Porque se sabe que, em um determinado momento da vida, a probabilidade de doenças crônicas é maior. Então é preciso se antecipar à doença, em vez de deixar que ela aconteça. Monitorar, acompanhar e centralizar os procedimentos em um único médico dá melhores resultados. O que a gente precisa é corrigir esse problema.

E porque ainda não foi corrigido?

R: Nós estruturamos nosso modelo como antigamente. Como as doenças eram agudas, na verdade você ia ao especialista e resolvia aquele único problema. A medicina não tinha tanta tecnologia, não tinha tanta complexidade, era tudo mais simples. Só que tudo mudou: e a partir disso você precisa ter o acompanhamento pelo período das doenças das pessoas, então ter um médico que acompanha um paciente por um longo período, com todo um sistema de apoio. O segredo é reordenar o sistema de saúde. Por que é importante ter um médico único ao invés de vários especialistas?  Porque é uma forma do médico acompanhar o paciente por um período maior, com seus prontuários, consultas com outras especialistas, todos os remédios que a pessoa tomou. Você consegue ter procedimentos clínicos padronizados, que são as melhores ações testadas e avaliadas na ponta da ponta, para medicamento, para tudo. Se o clínico sabe, por exemplo, do caso de hipertensão de um paciente, não precisa evitar um monte de remédios pra resolver um problema e criar outro.

É possível afirmar, então, que o atual sistema de saúde do Brasil não acompanhou a evolução das doenças?

R: O sistema de saúde no Brasil acompanhou as mudanças em alguns locais. É bem parecido com o que aconteceu nos Estados Unidos, onde eles criaram a lógica do especialista e que hoje está se mostrando muito caro. O Obama criou o Obama Care, para dar uma racionalidade, porque os custos estavam chegando a um número absurdo. Nós copiamos o modelo americano, as faculdades de medicina fazem curso por especialidade, quer dizer, forçando o aluno a escolher uma fragmentação do curso. O que a gente propõe é começar a mexer nisso.

Isso não impactaria na atual estrutura das faculdades de medicina, que tendem a levar o aluno à especialização, ao invés de seguir a carreira de clínico geral?

R: Sim, mas a ideia é mudarmos isso aos poucos, para que se possa qualificar os futuros médicos, desde o momento da graduação, para serem médicos generalistas. É preciso mexer na remuneração, que ainda é baixa para os clínicos-gerais, ter uma capacitação adequada, investimento no profissional com cursos e capacitação etc. E para aqueles que já seguiram uma especialização, a ideia é trabalharmos esse profissional para que ele seja reenquadrado como clínico-geral, porque não temos essa mão de obra no mercado na quantidade que deveríamos ter. Hoje em dia, no Ministério da Saúde, a contratação do médico de família aumentou bastante; talvez pegar alguns e, para isso, pensar em uma nova modalidade de remuneração. É dar uma lógica mais coordenada e isso sai mais barato do que é feito hoje, porque você faz um exame, e não volta ao médico, depois vai em outro, que pede outro exame igual. Aí você faz o mesmo, mas não leva o resultado porque esqueceu de pegar. Desperdício de dinheiro, de remédio – porque às vezes você toma dose dupla, porque dois médicos diferentes receitaram a mesma coisa, por não saberem do prontuário. Você não vai eliminar a figura do especialista; você só vai centralizar as informações no médico único, que conduz o processo até o fim. Nosso sistema é anárquico; nada é automatizado, nada é prático.

O senhor acha que esse modelo pode ser implementado nos sistemas de saúde atualmente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Tribunal de Contas da União?

R: Eu acho que o Sindilegis precisa de um modelo mais qualificado e mais resolutivo porque está ficando muito caro. Cada vez se gasta mais dinheiro com a saúde e o resultado não é eficiente! Não tenha dúvida de que vai ter gente que vai ficar receosa e não vai aceitar esse novo modelo. E aí você tem que começar a fazer algumas arrumações; você faz um projeto-piloto com pessoas que possam aderir e testar isso. Você tem que pensar em opções para atrair o médico também, que o paciente possa ter uma atividade integradora, o médico é que tem que tomar a iniciativa e agendar as consultas para o paciente. Um contato mais humano, mais intenso e qualificado, entendeu? Na Inglaterra é assim, todo mundo tem seu médico de família, o GP (General practitioner, em inglês) – é o nosso clínico.

Qual foi a sua impressão em ser convidado pelo Sindilegis para palestrar para representantes de saúde das três Casas?

R: Eu já vinha conversando com o Petrus [Elesbão] há um tempo e ele já percebeu que a saúde será um grande problema, não só para os servidores, mas para a sociedade. Os representantes do Sindilegis ficaram muito impressionados com a palestra. O ideal, como eu disse, é implementar um piloto com essas pessoas para comprovar que o acompanhamento efetuado por um médico único traz mais resultado e custa menos. As pessoas estão tentando manter ainda o modelo atual porque elas não sabem que existe algo muito mais eficiente e melhor. Com esse novo plano assistencial, você não vai perder qualidade, você vai ter mais profissionais para te acompanharem; você vai pagar menos no seu plano de saúde e terá uma melhor assistência. Queremos que seu plano persista, e não vá à falência. Ou seja, nada justifica você continuar no velho quando ele já está ultrapassado. O que percebi é que o Sindilegis deseja, entre todas as empresas que ainda se consideram “de vanguarda”, ser pioneiro e aderir à modernidade, antes que seja tarde demais.

 

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