Nilton Paixão: Teto salarial já

A regra é clara. Desde 1988, quando foi promulgada, a Constituição Federal estabelece que nenhum servidor público poderá receber salários e vencimentos acima da remuneração de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente em R$ 29,4.  Mas, transcorridos quase 26 anos, a falta de regulamentação do chamado teto salarial é uma grave omissão do Congresso Nacional, com consequências nefastas. Entre elas, a criação de um clima de confusão permanente a respeito de um tema da maior importância para o país e os brasileiros.

Sentenças, liminares, resoluções e portarias ora assinadas, ora revogadas, formam um cipoal técnico e jurídico que tem se prestado a várias coisas – menos à compreensão e à chegada de um consenso sobre o problema. Tal como está hoje, o entendimento sobre o teto salarial, ou a falta dele,  produz muita distorção, alguma incerteza e muita esperteza por parte de quem deveria estar na vanguarda de definições importantes e urgentes.

Enquanto o presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, demitia o diretor-geral do Senado por ter se recusado a aplicar o teto antes de uma decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF), um grupo de senadores aprovou, na Comissão de Constituição e Justiça, uma proposta que na prática libera pagamentos acima do teto para juízes e magistrados. 

O estratagema consiste em excluir do cálculo para o teto o pagamento de gratificações por tempo de serviço. Mas, segundo a proposta aprovada, isso não vale para todos os servidores. Vale, apenas, para juízes e procuradores.  Data Venia, é um acinte à própria Constituição, para quem todos os brasileiros são, ou deveriam ser, iguais perante a lei.

A empreitada do Senado Federal, aquele mesmo que até hoje não regulamentou o teto, só não é um despropósito absoluto porque acaba, mesmo sem querer, iluminando uma realidade que poucos conhecem: o tal teto salarial é, na prática, uma obra de ficção.

Ministros do STF, a mais alta corte do país, recebem R$ 29,4 mil mensais. Mas, como alguns deles fazem horas extras à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a remuneração sobre para  R$ 40 mil, ou mais, graças ao pagamento de jetons (dinheiro pago pela participação em conselhos do governo ou de estatais). Senadores que já exerceram cargos de governador ou funções no Judiciário frequentemente recebem mais de R$ 50 mil mensais ao incorporar esses benefícios.  Atualmente, para ficar em apenas mais um caso, cerca de metade dos ministros da presidente Dilma Rousseff também ganha acima do teto, graças a reluzentes jetons de empresas estatais.

Sou presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União.  Eu, assim como outros colegas no Congresso Nacional, recebo (salvo quando uma liminar está em vigor) uma tesourada no contracheque para me adequar a uma regra que até hoje não foi regulamentada.  Faz parte da vida.  E, pensando bem, quando se analisa a real situação da média dos trabalhadores brasileiros, nem dá para reclamar muito.

O verdadeiro problema é que quem determina isso são os magistrados do STF que recebem acima do teto, os senadores que acumulam vencimentos de várias naturezas e os juízes e procuradores que agora encontraram uma fresta para mostrar que os iguais, às vezes, merecem tratamento diferente. Isso para não falar no ministro da Fazenda, Guido Mantega, que autoriza o meu pagamento tesourado e recebe, ele próprio, jetons que levam seus vencimentos para cerca de R$ 43 mil por mês – cerca de R$ 14 mil acima do teto.

Enquanto não houver um debate sério sobre esse tema, o teto salarial continuará sendo apenas pretexto para que alguns políticos, como o presidente Renan Calheiros, empreendam campanhas de marketing com o único objetivo de tentar pentear a própria biografia. Não vai colar.

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