Artigo: Renda, Consumo e Investimento. Afinal, com quem está a verdade?

Uma ajuda para que você encontre a resposta por si mesmo.

Junho de 2019

Situação Atual

Os meios de comunicação têm informado – e muito mal – que a economia brasileira responde bem ante a expectativa da aprovação da reforma da previdência, e que considera a reforma condição absolutamente necessária para restabelecer o equilíbrio das contas públicas e o consequente desenvolvimento do País.

Todos os argumentos seguem numa mesma direção, e sempre, a mais positiva possível: exploram o fato de a inflação estar baixa, afastam a ideia de deflação, escondem o fato de que a renda (massa salarial) cai na medida em que o desemprego cresce e com empregos já sujeitos às novas regras advindas da recente reforma trabalhista,  que suprime direitos dos trabalhadores, tudo contribuindo para que não apenas o consumo caia, mas também os investimentos, que têm origem nas poupanças tanto de empresas quanto de pessoas físicas. Um conjunto de variáveis apontando depressão econômica, indicadores da vitalidade econômica em queda, aumento do desemprego, e mesmo a União contando com, historicamente, uma carga tributária pesada, socialmente injusta e sem qualquer contrapartida, a arrecadação em declina.

Os meios de comunicação sempre tão afeitos a longos estudos, análises e estudos e projeções econômicas falham tremendamente quando se aventuram a explicar as razões que ensejaram a crise em que estamos enredados. Esta foi provocada pela ação do sistema financeiro no Governo, atuando tanto no Legislativo quanto no Executivo; e que a maior parte da renda nacional vem sendo transferida para os rentistas, que se por um lado se compraz ao ver seus lucros crescendo período a período, de outro, o setor produtivo enfrenta seus maiores temores, o espectro da recuperação judicial, o fantasma da falência, situações em que recorrer ao sistema bancário parece ser a única alternativa a seu alcance.  Deixam também de explicar que a inflação baixa deriva muito mais da queda do consumo da população do que da execução da politica monetária do Governo. O raciocínio é cristalino: não havendo demanda, não há margem para repasse dos custos aos preços, e já tendo que reduzir consideravelmente suas margens de lucro, aumentar preços seria um absoluto suicídio.

Como é que isso funciona? Como funciona a economia?

Comece com uma Análise Pessoal

Não é muito difícil aferir a veracidade das afirmações. Basta olhar sua própria situação financeira. Nem será necessário o auxílio das complicadas tabelas de Excel nem daqueles gráficos todos e menos ainda do palavreado característico de economistas – o chamado ‘economês’.

Vejamos. Se você ganha algum dinheiro, tem renda. Se tem renda, a ela chamamos y. Se você come, se veste, mora em algum lugar etc, então consome. A isso chamamos consumo c. Se sobra algum troco no final do mês, o que é incomum, você poupa s  ou investe i. Basicamente, a sua vida econômico-financeira se resume a isso. Portanto, podemos afirmar que, em equilíbrio, isto é, desde que você não faça parte do grupo dos endividados, sua renda é igual ao seu consumo mais seu investimento (ou poupança). Em economês, representado em letras minúsculas por  y = c + i .

Agora, em vez de considerar somente você, vamos pensar grande. Vamos considerar todas as pessoas que moram no Brasil e têm renda. Faremos isso somando a renda, o consumo e os investimentos de todos os que participam das atividades de produção ou de consumo, seja pessoa física ou jurídica (gente ou empresa), tomando o cuidado de evitar uma contagem dupla.

Então, se somamos todas as rendas, todos os consumos e todos os investimentos realizados, teremos  Y = C + I .

Tenhamos em conta que, quando somamos todos os investimentos realizados, estamos considerando que todas as poupanças foram investidas. Tal afirmação pressupõe que tudo o que é poupado por uns é investido por outros. Por isso:  I = S .

Lembrando do Governo

Agora, podemos introduzir o Governo neste nosso raciocínio, destacando-o do setor privado. Ele sozinho é responsável por uma grande soma de recursos que consome e investe e que é chamado de Orçamento. Ele consegue seu dinheiro através dos tributos que cobra da população. Sim, é você quem paga quando ele gasta (consome); portanto, sai da sua renda. O Orçamento do Governo tem um nome: Orçamento Geral da União. Ele é apresentado ao Congresso, cuja missão é aprovar tanto o Orçamento quanto a Prestação de Contas que também deve ser apresentada anualmente.

Desta forma, quando nos referimos ao Consumo do Governo, usamos  Cg , quando a referência é ao Investimento do Governo, usamos  Ig . Por outro lado, quando nos referimos ao Consumo ou ao Investimento do Setor Privado, usamos  Cp e Ip . Agora já podemos reescrever aquela expressão acima, a renda, desta forma:  Y = Cp + Cg + Ip + Ig .

Assim, estamos afirmando que o Consumo é igual à soma do consumo privado mais o consumo governamental, e podemos representar por:  C= Cp + Cg  e, da mesma forma, o Investimento:  I = Ip + Ig .

Neste ponto já temos material para algumas reflexões:

Sua renda aumentou ou caiu? Seu consumo aumentou ou caiu? E seu investimento, ou sua poupança, aumentou ou caiu? Se você não pagasse nenhum tributo, sua renda seria bem mais alta. Eu diria que você só não paga, ainda, tributo sobre o ar que respira. Sobre todo o resto, você paga. Estima-se que sua renda poderia ser uns 40% maior, a grosso modo, mas isso o governo toma para ele.

Para o seu caso pessoal, a resposta é mais clara. Agora, pense no global. Olhe à sua volta.

Agora, pense, já separando os dados do particular dos dados do Governo.

Você tem notado um crescimento dos investimentos privados? E dos investimentos do Governo, tem notado algum?

Normalmente, um crescimento de investimentos é acompanhado de um crescimento da oferta de empregos, mesmo que seja em um campo  mais específico. Você tem visto algum sinal de crescimento? Empregos costumam migrar de setor. Quero dizer que os índices que aferem a empregabilidade podem cair de um lado, mas subir de outro. É normal que, após algum tempo de investimentos que substituam a mão de obra menos qualificada, haja um incremento na demanda por uma mão de obra mais qualificada. Você tem informação de alguma coisa neste sentido?

Se você entender corretamente as reflexões que colocamos, também poderá entender se existe ou não crescimento de oferta de empregos ou redução de algum setor. Isto pode significar que o investimento privado  Ip  está em queda e que o investimento do governo  Ig , também. Você pode perceber, ainda, se o consumo privado Cp e o consumo do governo Cg, estão também aumentando ou diminuindo.

Se estiverem crescendo, a oferta de emprego estará crescendo e, como consequência, a renda Y estará crescendo e você perceberá aumento de movimento no mercado etc. Do contrário também perceberá que está diminuindo tudo isso. Como as evidências falam por si, para constatar tudo isso basta olhar à sua volta, assistir aos noticiários de TV ou ler os jornais, acessar sites noticiosos na Internet ou conversar com a sua família, andar pelas ruas, ver o povo, observar a abertura ou o fechamento de lojas e fábricas que você conhecia, as vendas crescendo ou diminuindo.

No caso presente, com a reforma trabalhista aprovada no Congresso, você, provavelmente, já deve ter percebido que as promessas do governo de que tudo iria melhorar não se materializaram. Afinal, parece que mentir é um imperativo para o governo.

Redistribuição da Renda

Você poderia começar, agora, tentando se lembrar da última vez que houve redução de impostos. Lembra-se? E da última vez que houve aumento de impostos, você se lembra?

Você já se deu conta de que toda vez que o governo mexe nos impostos, está mexendo também na maneira como a renda é distribuída no país?

Portanto, se o Governo diminui impostos, o setor privado é beneficiado com um aumento da sua renda. Por outro lado, se ele aumenta impostos, o setor privado é penalizado com redução da sua renda. Desta forma o Governo intervém na distribuição da renda entre o setor privado e o setor público. Qualquer discussão a partir daqui passaria a ser, necessariamente, qualitativa. Seria preciso saber quem gasta melhor, quais os benefícios que se fazem perceber por este ou aquele setor, etc. Em alguns casos, você pode perceber claramente; em outros, é preciso procurar muito.

Preços Administrados pelo Governo e Juros

Outra forma de distribuição de renda é a que permite que os preços sejam manipulados por um determinado agente, que pode ser um grande monopolista ou o Governo (que não deixa de ser um grande monopolista).

Numa economia, quando o preço de uma determinada mercadoria sobe, o vendedor desta mercadoria pode estar ganhando mais dinheiro, recolhendo mais dinheiro no mercado, do que outros. Mas, também, pode não ser verdade, exceto em alguns casos de monopólio ou oligopólio  que é quando um agente econômico ou um grupo detém o controle da produção ou da distribuição, ou quando o Governo aumenta ou reduz os preços de produtos sob seu controle.

Pode acontecer, igualmente, no caso específico de se aumentar o preço do dinheiro, que são os juros. A indústria beneficiada – o setor financeiro, que fornece o dinheiro – começa a recolher mais dinheiro do mercado do que outros setores. Se esse setor é favorecido com um crescimento de renda, os demais são penalizados com uma redução na renda, na mesma proporção porque a consequência é o aumento da remuneração daquele que se dispõe a emprestar por causa da possibilidade de obtenção de uma remuneração melhor. Neste caso, haverá redistribuição de renda, aumentando a renda do setor financeiro e reduzindo a do setor produtivo e do governo. É claro, isso dependerá do que será feito com o dinheiro tomado emprestado. Passa a ser uma análise qualitativa, como já afirmamos.

Impostos

Como ele tem que pegar dinheiro no mercado financeiro para fazer frente aos seus gastos – que são crescentes porque ele se obriga a pagar mais caro pelo dinheiro, ele aumenta os impostos impelido pela necessidade de aumentar a arrecadação para pagar os juros que foram aumentados exatamente porque ele não teve dinheiro para pagar, numa sucessão de procedimentos que dependerá da habilidade, ou do comprometimento, de quem está à frente do processo. Isto tem um limite para funcionar positivamente, porque tudo depende do volume que está se tomando emprestado.

O que você acha que pode acontecer quando do lado do Governo (Banco Central) estão os banqueiros no comando? Eles são os responsáveis pelas negociações, pelo preço do dinheiro e pelas regulamentações (o BC é o responsável por tomar o dinheiro emprestado do mercado); do outro lado continuam os mesmos banqueiros, responsáveis por emprestar, por aceitar os custos que o governo demonstra a intenção de pagar. Como é fácil deduzir, aqui funciona outros interesses e não a lei da oferta e da procura.

De qualquer forma, você percebe que quando o Governo não dispõe do dinheiro para honrar seus compromissos (não paga), ele tem as opções de produzir dinheiro, tomar emprestado no mercado ou aumentar a carga tributária. Quando ele aumenta a carga tributária passa a recolher mais do setor privado que pode ser tanto de quem consome quanto de quem produz (porque o setor financeiro brasileiro quase não paga impostos). Assim, este que tiver acréscimo de tributo terá sua renda reduzida e, por conseguinte, diminuirá o nível de consumo e o montante de investimento. Quando o Governo aumenta os juros (através de oferta de maior rendimento pelo capital que tomar emprestado) para que o mercado financeiro concorde em lhe emprestar, pega esse dinheiro novo, soma ao que já tinha, paga os juros que devia e o empréstimo que está vencendo. Desta forma, afeta a si mesmo e ao setor privado, reduzindo sua renda disponível, ambos passando, e na mesma proporção, a consumir e a investir menos.

No caso específico brasileiro, o setor financeiro é o maior beneficiado com a redistribuição da renda a seu favor, que é, também, o setor que menos paga impostos.

Lembrando do Resto do Mundo

Agora devemos introduzir a economia brasileira no contexto internacional, porque ela não pode ser olhada como se fosse isolada do resto do mundo. Desde fins do século passado, com o avanço do movimento chamado Globalizacão, a economia se tornou cada vez mais interdependente. Por isso, temos que incluir as transações com o exterior. Se estas transações se mostrarem desfavoráveis, negativas, ou seja, se está saindo mais capital do que entrando, então, temos uma situação desfavorável. Mais uma vez, lembrando que estamos simplificando ao máximo, sem que isso signifique perda de conteúdo. Representemos a nova expressão da seguinte forma:  Y = C + I + Sx , onde o elemento novo  Sx  significa o saldo das transações de moedas e mercadorias com o exterior.

Se o resultado das remessas de dinheiro para o exterior ou do resultado das exportações e importações de bens e serviços for positivo, temos um saldo positivo nas transações comerciais. As perguntas são: estamos exportando mais do que importando? Estamos fazendo mais remessa de recursos para o exterior do que recebendo? Essas diferenças são positivas?

Se as respostas forem que estamos gastando mais do que recebendo, o saldo das transações com o exterior será negativo. Qualitativamente, se as importações foram de máquinas e equipamentos, então pelo menos pode-se esperar que, num futuro próximo, haja uma reversão deste quadro. Se a importação brasileira for majoritariamente de bens de consumo, então gastaremos este dinheiro sem esperança de retorno. Neste campo, teríamos que fazer algumas ponderações qualitativas terminando por contrariar a lógica deste texto.

Conclusão: você pode notar pelas aparências que a política econômica que o Governo vem perseguindo está lastreada na reforma trabalhista e na previdenciária, também, fazendo a maior e mais radical redistribuição de renda de que se tem notícia. No entanto, essa redistribuição está sendo feita com sinais trocados, dos mais pobres para os mais ricos. E, especificamente, a proposta de emenda constitucional da reforma da previdência transfere os recursos das mãos do setor privado e do governo para o setor financeiro, criando um déficit extraordinário nas contas públicas (chamado custo de transição), déficit que deverá ser coberto com mais empréstimos ou mais impostos. Com isso, o setor financeiro é o único setor que sai lucrando com a Nova Imprevidência (aqui chamo de imprevidência porque setor especulativo não é previdência), pois vai ser o beneficiado com a transferência dos recursos durante todos os anos em que você depositar suas esperanças nela, na previdência. E, em caso de vir a ser aprovada, ao chegar o tempo da sua aposentadoria será muito provável que talvez você nada tenha para receber, como se pode, aliás, constatar cotejando a realidade vivenciada por todos os países que fizeram essa tentativa. Só para sua informação, todos os países que fizeram essa migração estão reformulando suas expectativas e a maioria já está voltando ao módulo solidariedade, ao invés do módulo capitalização.

Só lembrando|: o setor privado está exposto às leis de mercado, portanto, à falência do administrador e seu dinheiro pode evaporar a qualquer momento, mesmo após anos de criteriosa e sofrida poupança.

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