Kalinka e o palco – De dia, servidora do Senado. Ìĉâ noite, sambista de respeito

Foi no meio do show que o refrão tomou conta do local: “Quem não gosta de samba bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé”. E, certamente, naquele espaço, não havia ninguém adoentado da cabeça ou do pé. Muito menos a cantora vestida de amarelo-sol que entoava a canção. Kalinka Barroso, conhecida no cenário musical de Brasília pela voz suave e, ao mesmo tempo, potente, transformou uma terça-feira à noite numa experiência que envolvia música, história, ancestralidade e samba (muito samba).

Quem vê Kalinka sambar no palco, entonado canções com uma voz poderosa e fazendo balançar o vestido com babados, talvez não imagine que durante o dia ela desce a ladeira do Eixo Monumental e labora no Senado Federal.

A decisão por tornar-se servidora pública teve início na vontade de ter o mesmo retorno financeiro que tinha anteriormente, como empresária. No início, foi lotada na Diretoria-Geral Adjunta, auxiliando na comissão que geria contratos de terceirização de mão de obra. Depois, a Comissão transformou-se no Núcleo de Gestão de Contratos de Terceirização, que responde hoje por gerenciar 2.500 terceirizados. “Assim que tomei posse, procurei saber sobre o Sindilegis. E as referências foram de grande representatividade e de busca constante pelos nossos direitos. Eu me filiei, sem pestanejar”, recorda.
Voltando aos palcos, a cantora é ovacionada a cada vez que concluía uma canção. Unida à Cely Curado na arena do Clube do Choro, em Brasília (DF), elas entoaram canções em homenagem à terra-mãe do samba: a Bahia, no projeto “Bahia de Todos os Santos”. Em pleno Eixo Monumental, a música tomou conta do espaço e a homenagem ganhou roupagem de sagrado e animou os presentes, que incluíam o público do Clube, familiares e amigos das cantoras, além dos colegas de trabalho de Kalinka, que sempre prestigiam os eventos em que ela está. “Apesar de burocrático, trabalho numa área de que gosto e com uma equipe competente e unida que, inclusive, sempre me prestigia em minhas apresentações”, conta.
Caminho do Samba
Nascida no dia 21 de abril, Kalinka celebra todos os anos a vida junto à Brasília, que tanto a inspira. A servidora do Senado começou a trilhar no mundo musical com apenas 8 anos, na Escola de Música de Brasília. Lá, estudou teoria musical, flauta doce, flauta transversal, piano e canto coral. Aos 15 anos, mudou-se para Belo Horizonte (MG) e estudou no Conservatório de Música por quase dois anos. Ao voltar para Brasília, começou a cantar em bares, o que durou pouco, por causa do escasso tempo que tinha para trabalhar e estudar.

Não apenas Brasília, mas há uma lista extensa de cantores e compositores a inspiram: “Altemar Dutra, Elizeth Cardoso, Nelson Rodrigues, Dalva de Oliveira, entre outros, ícones para a maioria dos músicos. Mas, no samba, fui inspirada pela força e projeção de grandes sambistas como Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Araci de Almeida, Jovelina Pérola Negra e Beth Carvalho”, cita.
Por falar em inspiração, Kalinka também revela o samba que a tem entusiasmada atualmente. De Roque Pereira, a música nomeada “Raiz” cita nos versos a sábia oração: “A riqueza mais precisa é saúde, amor e paz”.
Kalinka é cantora e musicista do Clube do Choro de Brasília desde 2007, onde foca no canto e na percussão. Em 2012, apresentou-se na Finlândia, Estônia, Letônia e Rússia, acompanhada pelo grupo Confraria Samba Choro, onde participa como solista do choro cantado.

Para ela, o samba é uma forma de oração e de reverenciar toda a cultura herdada da origem africana. Ela ainda defende a democracia no samba com a participação das mulheres. “Hoje temos várias referências femininas, que conquistaram e consolidaram sua importância nesse estilo. Apesar do pouco incentivo, o samba é democrático e, por meio da união, firmamos parcerias para divulgação de nossos trabalhos”, defende.

“Contamos com muitos sambistas de qualidade, reconhecidos nacional e internacionalmente. Mas, infelizmente, não temos muitos espaços para divulgação de nosso trabalho. Foi criada, inclusive, a União dos Sambistas do Distrito Federal (USDF) para divulgação e fortalecimento de nossa classe”, destaca Kalinka, que acredita que Brasília possa dar mais destaque cultural a este estilo musical.

A boa notícia é que o show “Bahia de Todos os Santos” inspirou Kalinka e a produtora, Ester Braga (Abèbè Produções) a pensar em novos shows que divulguem a cultura brasileira. Então, em breve, deve-se ouvir novamente o samba potencialmente entoado na voz da sambista e servidora do Senado Kalinka Barroso, a dona do palco.

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