Constitucionalidade da reforma administrativa é questionada na primeira audiência sobre tema na Câmara  

CCJ realiza série de debates para analisar a PEC 32; Sindilegis solicitou participação nas discussões

 

Nesta segunda-feira (26), ocorreu a primeira audiência pública para debater a proposta de reforma administrativa (PEC 32/2020) na Câmara dos Deputados. A discussão na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) contou com a participação de representantes do governo, de servidores públicos e da sociedade civil. Deputados e convidados analisaram a admissibilidade e constitucionalidade da matéria. Para assistir à audiência clique aqui.

 

A CCJ realizará mais seis debates sobre o tema até a votação do relatório. O Sindilegis apresentou requerimentos para participar das audiências públicas e colaborar com a discussão. Os pedidos aguardam deliberação. “O Sindicato demonstra grande preocupação em relação ao tema. O maior interesse da instituição é defender o Estado brasileiro e a população, sobretudo os mais carentes”, afirmou o presidente Alison Souza. Depois de passar pela análise da CCJ, a reforma administrativa ainda precisa ser apreciada por uma comissão especial e, em dois turnos, pelo Plenário.

 

Estabilidade em xeque

O relator da matéria, deputado Darci de Matos (PSD-SC), disse que o objetivo da reforma é promover uma economia nos próximos 10 anos de R$ 300 bilhões e fortalecer o serviço público. “Hoje, infelizmente o serviço público ainda é lento, oneroso e deixa muito a desejar”.

 

A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape) foi a primeira entidade que representa servidores a ser ouvida. O presidente da instituição, Vicente Braga, afirmou que a proposta atinge todos os servidores públicos – desmistificando o discurso do Executivo de que a reforma só trará impactos aos novos servidores – e viola a Constituição Federal. Entre os pontos inconstitucionais previstos da proposta do governo federal, Braga citou o fim da estabilidade. “Será uma porteira aberta para mandos e desmandos, e, até podemos afirmar, para mais atos de corrupção, e não podemos admitir isso. Temos que blindar a figura do servidor público e o cargo que ele ocupa”.

 

Em sua exposição, o secretário especial de Desburocratização do Ministério da Economia, Caio Paes de Andrade, informou que o Brasil gasta mais de R$ 8 bilhões por ano com servidores que estão na ativa e trabalham em funções consideradas extintas pela União. “São R$ 8,3 bilhões com 69 mil funcionários públicos que trabalham em carreiras que consideramos extintas. Um operador de telex até hoje está na nossa folha de pagamento, mas não há mais telex para ele operar, porque não existe mais telex. Ao mesmo tempo, não conseguimos preparar esse cidadão para outro trabalho porque caímos no desvio de função. O problema é muito complexo”, apontou.

 

O advogado e professor Emanuel de Abreu Pessoa defendeu a constitucionalidade da PEC e criticou os altos gastos com servidores públicos, que, segundo ele, hoje representam mais de 13% do PIB. “Não há nenhum óbice constitucional. A reforma do Estado é imperativa. O Estado brasileiro é extremamente ineficiente e nele ocorre um descolamento severo de salários da realidade das remunerações da iniciativa privada. A reforma deveria atingir absolutamente todas as pessoas que são remuneradas pelo erário, desde juízes, promotores, servidores de carreiras de Estado, deputados, senadores, ministros, presidente da República, mas o fato é que poderia haver um vício de origem, e, para evitar isso, pareceu-me que o Governo fez o fatiamento”.

 

A coordenadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, pediu a rejeição completa da PEC 32 por considerar que a proposta representa uma destruição do Estado. “Essa PEC abre espaço para privatizar tudo e muitas negociações espúrias e corrupção. O Governo diz que a evolução das despesas com pessoal está explodindo, usando dados maquiados de 12 anos, como se a inflação tivesse sido zero. Ao fazermos uma reprodução honesta dos dados, corrigindo os dados em relação à participação do PIB a cada ano, em vez de termos um aumento de 145% em 12 anos, como mente o Governo, nós tivemos uma queda de 4,54% do PIB para 4,34%”, declarou, ao enfatizar que a reforma afeta os atuais servidores e todo o serviço público.

 

Para o coordenador-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, a proposta desqualifica princípios da administração pública, entre eles a estabilidade, fundamental para pensar um Estado estável. Conforme destacou, dos cinco vínculos previstos na PEC, quatro não têm estabilidade e três são vínculos temporários. “Ou seja, são formas de contratação que, de algum jeito, simplesmente vão ser modificadas ao sabor do Governo de plantão. Isso é o cúmulo da falta de responsabilidade e do comprometimento com a manutenção de um Estado moderno. A questão da estabilidade do servidor público é a garantia da impessoalidade, para que o direito privado não se misture com o direito público. Isso é fundamental para compreendermos os caminhos que tem este Governo, ao se propor essa reforma”, alertou.

 

O diretor e professor titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, ressaltou que a PEC 32 agride a autonomia dos Poderes. De acordo com o docente, a proposta não é uma reforma da administração e sim uma desconstrução do Estado brasileiro. “A PEC é muito ruim. E não estou falando em termos de ideologia. Mas ela é um instrumento de aparelhamento e não um instrumento de fortalecimento da administração nem de aperfeiçoamento administrativo. Tanto não é que, em dispositivo nenhum, se fala em questão de gasto. E foi apontado aqui pelo secretário do Governo que isso implicaria em redução de gasto. Onde é que implica redução de gastos, se apenas está mudando a forma de acesso, ampliando as possibilidades de cargos sem concurso público? E chega-se ao ponto de colocar entre os cargos de liderança os chamados cargos técnicos”, pontuou.

 

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

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