Lei Maria da Penha completa 15 anos, mas apesar dos avanços a proteção da mulher contra violência doméstica e familiar ainda é um desafio

A Lei Maria da Penha está em vigor há 15 anos. Criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a legislação é um marco recente na história do Brasil. A norma é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das leis mais avançadas do mundo para proteger as mulheres. Contudo, mesmo diante dos avanços, ainda existem muitos desafios a serem enfrentados. Políticas de conscientização, ações educativas e recursos insuficientes para combater a violência doméstica ainda são um grande gargalo na Lei Maria da Penha.

“A importância da matéria está de tal forma introjetada no nosso meio social que o combate à violência contra as mulheres já se tornou assunto discutido até nas reuniões de condomínio e a máxima que agora impera é ‘em briga de marido e mulher, a gente mete a colher’”. A fala é da servidora aposentada do Senado e filiada ao Sindilegis Cleide Lemos, uma das protagonistas para que a legislação se tornasse realidade.

Engana-se quem pensa que o caminho até a aprovação da lei foi fácil. Cleide conta que, em 2002, quando era consultora legislativa da Casa, teve o primeiro contato com a matéria, que só seria sancionada em 2006. “Foi um processo longo e intenso. Meu primeiro contato com a matéria aconteceu ainda antes da elaboração do anteprojeto de lei, quando o grupo de ONGs que se tornou conhecido como Consórcio Lei Maria da Penha se reuniu com juristas, especialistas e algumas parlamentares para debater a criação de uma lei específica sobre violência doméstica no Brasil”, conta.

Segundo ela, uma das resistências à lei ainda em gestação era que a violência contra as mulheres continuava a ser entendida como questão de menor potencial ofensivo. “Trocando em miúdos: o agressor ‘pagava’ a violência cometida contra a mulher com a entrega judicial de uma cesta básica, muitas vezes comprada por quem havia sido agredida”, explicou a especialista em políticas públicas e gestão governamental.

A norma prevê cinco tipos de violência: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Para Cleide, o maior desafio para avançar no combate a violência contra a mulher é a mudança cultural. “A violência está banalizada entre nós há séculos. Não é possível alterar semelhante legado cultural, para construir uma sociedade livre da violência, sem que haja um esforço concentrado e um trabalho permanente de conscientização e de educação. E essa é uma tarefa do poder público”, afirmou.

A violência contra a mulher atinge milhões de famílias no Brasil, um problema que foi agravado durante a pandemia do novo coronavírus. Uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de agressão durante a pandemia, seja ela verbal, sexual ou física. Ao todo, 17 milhões de mulheres foram agredidas entre junho de 2020 e maio de 2021, ou 24,4% do total. Os dados são de pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Implementar a Lei Maria da Penha em toda a sua amplitude é outro grande desafio, aponta Cleide. De acordo com a servidora, faltam recursos orçamentários para a implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres, sobretudo diante do atual desmantelamento do sistema de proteção que ainda estava em construção no Brasil. “O Congresso Nacional deveria atuar pela não desfiguração da Lei; pela adoção do orçamento de gênero, a fim de viabilizar a implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres; e pela execução da lei na sua completude, com a devida articulação entre os poderes públicos”.

Outra questão imprescindível para implementar a lei de fato é, na opinião de Cleide, avançar no trabalho de responsabilização dos agressores. “São raros os municípios do país onde existem grupos reflexivos e há muito já sabemos que o mero encarceramento, quando ocorre, quase nunca obsta a reincidência”, ponderou.

Campanhas de conscientização – Desde 2018, o Sindilegis tem abordado de forma contundente os temas relacionados aos interesses das mulheres. As campanhas de conscientização do Dia Internacional da Mulher “Florzinha é bom, mas direitos iguais é melhor” (2018) e “Armas Contra o Machismo” (2019) trataram sobre a desconstrução de alguns símbolos para versar a respeito de questões como a luta por respeito, a equidade de gêneros, a igualdade, o combate a opressão e a violência contra a mulher.

Cena do filme “A violência não pode imperar”, que faz uma releitura das cartas da princesa Leopoldina, esposa de Dom Pedro I, relatando as agressões do marido

Já a peça publicitária “A violência contra a mulher não pode imperar”, lançada em março deste ano, também por ocasião do Dia Internacional da Mulher, resgatou um importante personagem na história brasileira para demonstrar que a violência contra a mulher não é recente. A campanha faz uma reinterpretação dos escritos da princesa Leopoldina, esposa de D. Pedro I que, durante anos, sofreu com as agressões físicas cometidas pelo imperador. Assista aqui.

A Câmara dos Deputados, por sua vez, lançou a campanha “Agosto Lilás”, cujo objetivo é discutir temas relacionados ao enfrentamento da violência contra as mulheres em suas diversas formas.

Como surgiu a Lei Maria da Penha?

A brasileira Maria da Penha Maia Fernandes sofreu duas tentativas de assassinato em 1983, por parte de seu marido. Como resultado, ela ficou paraplégica.

Como o Judiciário brasileiro demorou em tomar providências para responsabilizar o autor da violência, 15 anos depois, em 1998, com a ajuda do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), ela conseguiu que seu caso fosse analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em 2002, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por omissão e negligência e fez uma série de recomendações. Entre elas, adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o agressor, medidas necessárias para que o Brasil assegure à vítima uma reparação simbólica e material pelas violações. Atendendo a uma dessas recomendações, o Estado brasileiro fez a reparação simbólica, nominando a Lei 11.340/06, como “Lei Maria da Penha”, e em 2008, fez a reparação material pagando o valor de R$ 60.000,00 para Maria da Penha. Na época, ela afirmou: “Dinheiro nenhum pode pagar a dor e a humilhação das últimas duas décadas de luta por justiça”.

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