Em sua primeira experiência virtual, o Café com Política tratou do papel do Poder Público e do Mercado frente aos desafios postos pela pandemia do Covid-19recebeu o economista, filósofo e escritor Eduardo Giannetti que interagiu com servidores da Câmara, Senado e TCU
Em meio a uma das maiores pandemias da história atual do mundo, é possível pensar em soluções para a crise econômica instalada no país? Questionamentos nesta linha foram o fio condutor da live do Café com Política promovida pelo Sindilegis nesta segunda-feira, 25/05. O convidado central desta edição, o economista, filósofo e escritor Eduardo Giannetti, recebeu a todos em sua biblioteca pessoal, direto de São Paulo, por videoconferência, para responder essas perguntas. O formato digital, motivado pelo distanciamento social posto em tempo de quarentena, manteve a raiz da iniciativa, ao promover o debate sobre o atual cenário político-econômico brasileiro, seus desafios e oportunidades, tanto para a sociedade como às casas legislativas. “O Café com Política é um canal permanente de diálogo entre Sindilegis, filiados e a sociedade brasileira”, destacou Alison Souza, vice-presidente do Sindilegis, em sua fala de abertura do evento.
O fórum, conduzido por Erica Ceolin, jornalista da Secretaria de Comunicação (Secom) do Senado, contou ainda com a participação de três outros servidores, especialistas em economia: Humberto Veiga, consultor da Câmara dos Deputados, engenheiro civil, Doutor em Economia e Mestre em Economia da Regulação e Defesa de Concorrência; Fernando Veiga, consultor do Senado Federal, especialista em Administração Pública, consultor de Finanças Públicas, Economia do Setor Público; e Ângelo Henrique Lopes da Silva, auditor do TCU, engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. A mediadora iniciou a dinâmica do debate pontuando como a pandemia causada pelo coronavírus afeta várias áreas da vida nacional, como a saúde, a política e a economia.
Uma crise sem precedentes
Em sua apresentação, o professor Giannetti apontou pontos essenciais para a discussão sobre crise que vivemos. O primeiro é que não há registro na história recente do Brasil de uma situação parecida com a que estamos vivendo. “Tudo o que o país conhecia até o momento, em termos de desequilíbrio econômico era resultado de fatores tipicamente da economia, como inflação acelerada, crises de bolhas financeiras, ou algum tipo de choque de mercado, como o do petróleo, por exemplo. O que estamos vivendo agora não chega a se caracterizar ainda como uma recessão ou uma depressão. O que vemos é um colapso, uma parada súbita, causada pela obrigação de produtores e consumidores a pararem a suas atividades e isso leva a uma queda vertiginosa da economia”.
Desafios de políticas públicas no curto prazo
Segundo Giannetti, as soluções para a crise atual passam por fornecer recursos adequados para os sistemas de saúde, para que eles possam atender a demanda explosiva que se avizinha e a assistência direta às pessoas.
“É necessário viabilizar a transferência de renda extra mercado para famílias que perderam a capacidade de renda e que precisam sobreviver. O Brasil possui uma desigualdade estrutural que nos fragiliza muito, porque condena dezenas de milhões de brasileiros, que vivem um dia de cada vez, a uma situação de sobrevivência no sentido mais literal do termo”.
Uma terceira frente, considerada crucial por Eduardo, é o suporte que o governo necessariamente terá que dar a pequenas e médias empresas, que enfrentam dificuldades muito grandes, com risco real de descontinuidade por não conseguirem honrar compromissos financeiros.
Cenário futuro
O professor Giannetti destacou alguns pontos de cuidados no longo prazo, como o caso do endividamento público que deve alcançar margens superiores a 90%.
“Passada esse período de crise, é fundamental garantir que essa trajetória de expansão de dívida pública não continue crescendo, para que haja condições de conquistar um horizonte de ancoragem fiscal, mais estabilidade”, observou o economista, que ainda apontou dois assuntos que devem ser repensados no Brasil pós-pandemia: desigualdade estrutural, “ o governo tem dificuldade de chegar aos mais pobres, aos trabalhadores informais, porque eles são ‘invisíveis’ para o Estado, que não os alcança. Temos que pensar por que somos tão desiguais e precisamos corrigir essa desigualdade”.
Desigualdade social
Segundo dados trazidos pelo economista, o Estado brasileiro arrecada 33% da renda nacional, um índice muito fora do padrão para países de renda média.
“39% da renda nacional é intermediada pelo setor público. Quase metade dos lares brasileiros não tem esgoto, por exemplo. Indicadores sociais de educação básica, saúde, segurança e transporte são muito defasados. Como é possível que em um país com 39% do resultado anual da sociedade transite pelo Estado e isso não apareça na outra ponto como políticas públicas que atenuem um quadro estrutural de desigualdade?”
Reforma tributária
“A tributação brasileira penaliza desproporcionalmente quem menos pode pagar, pois está calcada em impostos sobre consumo e produção. Um sistema tributário menos recessivo precisa incidir sobre renda e patrimônio. Assim, a tributação incidiria sobre quem mais pode pagar, o que atenuaria a desigualdade”.
Repensar o Pacto Federativo
“O Brasil segue o modelo de Estado centralizado na União, que é uma herança de períodos autoritários. Serviços como os de saúde, educação e segurança foram descentralizados, mas não houve a descentralização do financeiro. Esse modelo de federalismo assimétrico gera uma má utilização de recurso, e o município não arrecada localmente e vive de transferências constitucionais, ou seja, uma “mesada”. Com isso, o cidadão brasileiro não tem cidadania tributária”. Segundo o economista, é provável que o esforço de recuperação pós pandemia envolva aumento de tributação e medidas duras de contenção de gastos.
Debatedores das Casas
Os debatedores convidados também trouxeram suas análises de cenário durante a live. O consultor da Câmara dos Deputados Humberto Veiga abordou o fato de já estarmos vivendo recessão efetiva. “Já havia uma expectativa, por parte do mercado de capitais de que haveria um estado de recessão. Mas nem de longe os analistas poderiam imaginar algo com o impacto do que foi causado pela paralisação da economia, que causou o trancamento das pessoas dentro de casa, em virtude da pandemia”, avaliou o consultor.
O especialista em Administração Pública Fernando Veiga lembrou que atualmente existem dois componentes que interferem na economia: “Há um componente estrutural, que é anterior à crise gerada pela pandemia e esse conjuntural, que é o estado de incertezas no cenário em que estamos. Antes dessa situação, não havia algo que atrapalhasse a trajetória de crescimento da economia brasileira, que estava tomando fôlego para uma possível retomada. Com a pandemia todo o trabalho de reforma foi suspenso e o governo passou a adotar medidas conjunturais para combater os efeitos da crise”.
O debatedor Ângelo Henrique Silva, auditor do TCU, trouxe à discussão a questão de propostas e ações em torno de renda básica disponibilizada de forma universal. O especialista, que não acredita que essa iniciativa, de forma isolada, seja uma solução viável para a resolução de problema de vulnerabilidade, pediu a opinião de Eduardo Giannetti sobre auxílio emergencial para apoiar a permanência em casa por parte dos trabalhadores que ficaram sem renda. “Parece que surgirá desta crise um novo sistema de proteção social no país”, avalia o Ângelo. Sob a leitura de Giannetti, a ideia da renda básica universal padece de falta de foco. “O imperativo no Brasil, é focar na população que realmente precisa de renda para poder garantir o mínimo de bem estar”.
Foco na formação de capital humano
Em pergunta direcionada ao convidado central da live, Petrus Elesbão, presidente do Sindilegis questionou qual seria o modelo ideal para conseguir conduzir o Brasil num pós-pandemia e quais seriam as primeiras medidas a serem tomadas para tornar esse modelo viável. Ao que Eduardo Giannetti respondeu:
“Não há crescimento sem valorização de capital humano. Se a gente não identificar quais são os caminhos, tudo mais é paliativo. É preciso pensar num sistema de financiamento de educação, pois não há outro caminho senão a formação das pessoas. O grande desafio civilizatório da nação brasileira é a deficiência crônica na formação habilidade econômica, que permitiria ao cidadão desenvolver o seu potencial para gerar renda”.
Reforma da Previdência
O economista ainda destacou que a Reforma da Previdência foi um passo na direção correta. “Ela (a reforma) cria uma perspectiva de uma Previdência mais estruturada e organizada. Mas ainda há um longo caminho em outras frentes que precisam ser repensadas, como o sistema de financiamento da educação, o sistema tributário, principalmente no tocante a não priorizar tributação em produção e consumo, mas sim sobre patrimônio”.